Original [do livro Menino-Serelepe] já pronto e eis que Pai Véio me aparece como num sonho, pois precisa muito conversar comigo, diz.
— Puxa, seo Zé Batista, faz um tempinho, hem! Trinta anos? Por aí, num é?
— Deus te abençoe, meu neto. Faz tempo pro cê, mas eu ando sempre que posso aí por perto dos familiares.
— Sei disso, Pai Véio. Mas o que o senhor quer mesmo?
— Enfim, cê vai cumprir a promessa, num é? O livrinho já ‘tá no ponto, tô vendo.
— É... trabalheira danada! Vou mandar imprimir e distribuir pra família, como imagino que o senhor quer que eu faça.
— Muito bem. E o resto?
— Ah, Pai Véio, os outros eu vou ficar devendo, pois pensei que me aposentaria cedo e não vou mais. O governo mudou as regras pra pior, acho que tão logo não me aposento. Não vou ter tempo, que este Menino-Serelepe já me ocupou e consumiu cada folguinha que tive nesses dois anos.
— Ara, larga de preguiça e continua a me escrever o resto que planejamos e que ocê prometeu escrever.
— Eu não prometi nada, o senhor é que me fez prometer e inventou até um plano. É diferente. Ora, o contador de histórias, de causos, sempre foi o senhor e não eu.
— Contar sabia, com a vida difícil não tive oportunidade de aprender a escrever. Isso eu só sabia pro gasto.
— Uai! E eu nem sei contar as histórias nem escrevê-las. Sou de outra nação de contador, lembra? Me mande analisar um balanço, escrever um parecer, calcular um custo, dar uma aula de contabilidade. Isso eu sei fazer. Isso tudo é técnico. Literatura é diferente.
— E quem diz que tamo fazendo literatura? Eu já não te orientei sobre isso? Não deixei lá no baú uns escritos? Cê deve ter entendido bem, pois botou no princípio do livro as regras que te passei.
— Tudo bem. São suas regras, mas não sei se nem aquilo eu fiz direito.
— Eu gostei, é o que importa. A famiagem vai gostar também, ocê vai ver. É a vida deles, impossível que não fiquem felizes. Quem ia se lembrar deles? Quem ia escrever sobre eles? Isso é a gente mesmo é que tem que fazer. Eu tenho visto os seus invisíveis por aqui: seu pai, seus tios, tias, as avós, todos atarefados, correndo atrás, corrigindo as faltas, preocupados com a parentada aí na Terra. Mas vão bem e tão sempre querendo saber a quantas anda o livrinho…
— É sempre bom saber que eles estão bem e que acompanham os nossos passos aqui embaixo.
— É isso mesmo. Bem, tá feito o primeiro livro, o resto cê me faz dispois. Mas tem uma coisinha que tá faltando.
— O que mais você ainda quer, meu velho?
— Falta uns comentário, uma apresentação, falta isso aí no livro.
— Que é isso, Pai Véio? Crítica? Pois se nem lançamos o livro? Aliás, nem vamos lançar, isso é pra circular no âmbito da família. Não foi isso que combinamos? Sendo assim, não vai haver crítica nenhuma e nem apresentação é preciso.
— É um capricho de avô, meu fio, que gostaria de ver o livro comentado.
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(*) Este texto consta do Pós-escrito ao livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães assina a série HISTÓRIAS DE AGUINHAS. V. acima o tópico Livros à Venda.