Macchado Sobrinho é poeta desde que eu o conheço, e lá já se vão mais de quarenta anos. Bem, isso é só uma brincadeira, pois ele deve ter nascido poeta, visto que a poesia vive a cintilar em seus olhos, a agitar-se em sua língua, a tremular nos seus dedos, a desprender-se de sua pena nervosa, inspirada, fluente.
Ele é poeta todo o tempo. Transpira poesia. Lê poesia. Vive poesia. Escreve poesia a cada dia, a cada hora. Foi ele quem primeiro leu minha prosa incipiente, lá pelos meus vinte anos e corrigiu meus erros e me incentivou a que continuasse. E tem para comigo um gesto de extrema delicadeza e amizade: a cada 14 de novembro me presenteia com um soneto!
O poeta, no entanto, só estreou em livro em 2009, com o seu Os Prós & Os Contras. Dessa obra, diz Marcus Vinícius de Negreiros, prefaciando o livro:
Uma das grandes questões da literatura é saber o escritor como conciliar emoção e forma, como fundir numa obra literária a variada gama de sentimentos, sensações, concepções, princípios, que, juntos, vão formar o sujeito, sem perder a beleza do fazer poético quando transportado para o papel. É justamente aí que reside a força deste livro de Macchado Sobrinho. Ao ler os seus poemas, parece-nos ouvir o grito que sai das entranhas, podemos sentir o seu lamento mudo, sua indignação. Suas vísceras estão expostas. [..............................]
A busca pelo vocábulo perfeito, seja num soneto, seja num hai kai, permeia toda a obra do autor. Dono de um vocabulário vastíssimo, e a despeito de nos enviar algum vez ao dicionário, escreve de maneira simples, com linguagem coloquial.
Esse vocabulário a que se refere o prefaciador é fruto de toda uma vida de leituras e anotações. Vastas leituras de poesias e literaturas tantas. Outras línguas aprendeu Machaddo no silêncio e no anonimato do autodidatismo, mas domina tão bem o francês, por exemplo, que traduziu, a convite de Alcino Leite Neto (este também um lambariense), para a revista Trópico (de 9/jul/2003), quatro poemas do Diário de viagem de Blaise Cendrars - o famoso poeta suíço que escrevia em francês.
Os poemas traduzidos foram estes: Águas de Portugal, A bordo do Formosa, Gorée e Bubus. Abaixo um deles traduzido:
ÁGUAS DE PORTUGAL
Sur les Côtes du Portugal
Do Havre optamos por seguir a rota dos antigos navegantes
Espaçosamente o mar de Portugal é coberto de barcos e pesqueiros
É de um azul contínuo e de pelágica transparência
O tempo é claro e quente
Estala o sol de cheio
Inumeráveis algas verdes microscópicas vêm à tona
Produzem alimentos que lhes facilitam uma imediata proliferação
São inexaurível sustento para a legião de infusórios e as delicadas larvas marinhas
Animais de toda espécie
Vermes estrelas e ouriços-do-mar
Crustáceos miúdos
Mundinho efervescente à superfície das águas de escancarada claridade
Gulosos e esganados
Chegam os arenques as sardinhas as cavalas
Atrás deles tainhas atuns bonitos
A que sucedem os cações marsuínos e delfins
O tempo é claro a pesca propícia
Quando o tempo se nubla os pescadores ficam mal-humorados e fazem chegar seu protesto até a tribuna do parlamento
De Os Prós & Os Contras escolhi o que segue, poema que tempos atrás pus como inspiração na abertura de uma página eletrônica de redação e língua portuguesa. Ei-lo:
O Náufrago
Se você quiser escrever, escreva:
na roupa no muro no chão na lousa!
Escreva o que quiser, o que não deva;
escreva uma palavrão, ou qualquer coisa.
De cabeça para baixo, ouse, atreva!
Girafa violino mariposa!
Pobre do artista, aquele que não ousa,
e leva a vida como a vida o leva...
O trevo o turvo o travo a trave a treva.
Vá escrevendo sem metro, rima ou arte,
sem preconceito qualquer sem reserva!
Escreva com o sangue que está na veia;
infeste o mundo, espalhe a toda a parte...
Só não espere, não, que alguém o leia.
O seu livro pode ser encontrado neste site: www.livrorapido.com