Rubem Alves é mineiro de Boa Esperança e passou certo período de sua infância em Lambari, como ele narra no livro O velho que acordou menino [Editora Planeta, SP, 2005].
Na parte III, intitulada Lambari, o pedagogo, psicanalista, professor e autor de inúmeras obras (educação, teologia, crônicas, histórias, etc.) conta como foi essa fase de sua vida de menino. Diz ele, em certo trecho:
(...) Tudo era novidade. Não importava que a casa para onde mudamos fosse do tamanho de uma caixa de fósforos. O que me importava era o fato de minha casa se encontrar atrás de um Castelo Encantado. Lá estava ele, no alto da colina, enorme, fechado, misterioso. Dos pátios vazios que o circundavam, olhando-se para baixo se via um lago azul imenso, coisa que eu desconhecia porque na roça eu só conhecera ranchinhos e lagoinhas. E havia marrequinhos a nadar.
Depois de grande pensei que não havia razões objetivas para nos termos mudado para Lambari. Meu pai era agora viajante, precisava de trens, e o mais lógico teria sido Três Corações, entroncamento ferroviário. Porque ele escolheu Lambari? Acho que foi por causa do Castelo Encantado... Ele me levou a visitar o Castelo por dentro, graças à amizade que fizera com o guarda. Eram salas imensas, empoeiradas, silenciosas, escuras, os móveis cobertos com lençóis, lustres de cristal, mesas de veludos vermelhos e verdes. Tudo parecia dormir. Eu estava no Castelo da Bela Adormecida...
Mais tarde me explicaram, e com a explicação o Castelo deixou de ser Castelo. Foi-se o mistério. Virou um cassino. O assombroso desse cassino é que ele teve uma noite de glória, uma única noite de glória. Foi fechado por ordens superiores no dia seguinte ao de sua inauguração, sem explicações, e nunca mais foi aberto.
Em uma dezena de páginas, Rubem Alves fala das descobertas do menino que chegara a Lambari vindo da roça, tais como, a lâmpada elétrica e a privada, além de contar da simplicidade de sua casa e da ausência de móveis, os quais o pai improvisou de caixotes e paus de vassoura. E foi também aqui em nossa terra que o modo de chupar laranjas (de tampa ou em gomos) mostrou-lhe a diferença social entre a família de sua mãe (nobre) e a de seu pai (plebeia).
Não só por citar Lambari, e sim porque nesse livro podemos nos deliciar com a narrativa poética, repleta de lições, de sabedorias cultas e populares, de um grande contador de histórias, é que não se pode deixar de ler essas memórias de Rubens Alves. (1)
PS - Estas palavras de Rubem Alves sobre o nosso cassino:
Eram salas imensas, empoeiradas, silenciosas, escuras, os móveis cobertos com lençóis, lustres de cristal, mesas de veludos vermelhos e verdes. Tudo parecia dormir...
são tão verdadeiras, tão doídas, tão antigas... E nada mudou em décadas...
[*] Atualmente (2020), o prédio foi restaurado.
(1) Veja-se também o livro O sapo que queria ser príncipe - [Editora Planeta, SP, 2009] - memórias de adolescência e juventude de Rubens Alves.