A seguir, uma pequena galeria de dois de nossos maiores craques, e alguns de seus feitos.
Confira.
E, de quebra, vi Pelé apoiar o pé no alambrado pra amarrar a chuteira – deu um nó simples, como se fora um sapato, técnica que um craque de Aguinhas — o Crisóstomo — já ensinava por aqui há tempos (a maioria dos boleiros costumava dar voltas e nós num longo cadarço, passando-o por baixo e por cima da chuteira, por trás e pela frente da canela).
O trecho acima, que consta da narrativa A Seleção em Aguinhas, do livro Menino-Serelepe (1), nos mostra uma faceta do grande jogador que foi Crisóstomo - que todos chamávamos de Mestre. Desde o Mirim do Águas (1967/69), me acostumei com sua presença e seus ensinamentos à beira do campo, fosse nos treinamentos, fosse nos jogos.
Incentivava e orientava todos os jovens jogadores da época - desde as coisas mais simples como pôr as ataduras ou calçar as meias até o posicionamento em campo, o impulso no cabeceio, a noção de cobertura, a proteção e o modo de bater na bola.
Mas possuía também outra característica: a crítica ácida contra a "burrice" e a "falta de visão" no futebol.
Certa feita, num treino no campo do Águas dos anos 1970, viu que um atleta, ao amarrar as chuteiras, dava voltas e voltas, nós e nós num cadarço de mais de metro, enlaçando a chuteira e a canela. Não pensou duas vezes, e foi lá, tirou-lhe as chuteiras, e disse:
- Meu filho, você não vai lutar telecatch! Do modo que 'tá fazendo, a bola vai bater nesse monte de nós e você perde a bola e jogada.
Depois, partiu ao meio o cadarço e fez um simples laço de sapato. E tanto ele tinha razão que hoje em dia já inventaram chuteiras sem cadarço - e sem nós...
Se diziam: - Fulano é muito bom, corre muito. Olha só que rapidez!
Ele respondia: - Se futebol fosse só velocidade ou corrida de cem metros rasos, tudo bem. Só que não é!
No início dos anos 1970 (ele dizia que em razão da semelhança física, dos cabelos pretos e lisos e da valentia), me apelidou de Paraguaio, numa alusão ao zagueiro Reyes, do Flamengo.
Eu ainda o vi atuar em times de veteranos: alto, elegante, jogando de cabeça erguida, orientando os demais jogadores todo o tempo, com uma categoria de quem de fato foi um mestre no futebol.
Ainda menino, frequentando os treinos e os jogos do Águas no campo novo, vi Zezé Gregatti jogar algumas vezes. Joguei com ele também diversos jogos no Vasquinho de 1971 e num campeonato que disputamos em Heliodora, também nos anos 1970.
Atacante alto, forte, rápido, chute potente com ambas as pernas, e o melhor cabeceador que vi atuar. Uma contusão no joelho, infelizmente, fez que encerrasse muito cedo sua carreira.
Foi meu técnico no time Juvenil em 1970 e também no time do Veteranos do AVFC, na campanha do título Sul Mineiro de 1982.
O gol mais extraordinário e emocionante do Águas Virtuosas
Para o Betinho Nascimento, outro craque do Vasquinho e do Águas, Zezé foi um dos maiores jogadores ele viu jogar. E Betinho lembra um dos gols mais extraordinários e emocionantes da história do Águas:
Ano 1967, Estádio do AVFC cheio. Águas e Flamengo de Varginha, finalzinho do jogo, 2 X 1 para o Flamengo. Jogo impotantíssimo, nervos à flor da pele, envolvendo dois grandes rivais da época.
Falta de meia distância a favor do Águas, no gol que dá para o Farol do Lago. 43 minutos do segundo tempo, a cinco metros da entrada da área, mais pelo lado esquerdo. Zezé ajeita carinhosamente a bola, posiciona o pé esquerdo ao lado dela, e recua alguns passos. Corre e bate forte de pé direito. Cobrança perfeita - a bola entra na gaveta esquerda do goleiro.
Apito! Confusão! Gritos! Xingamentos! Empurra-empurra! Vaias e vaias da grande torcida do Águas! O juiz anulara a cobrança, alegando que não autorizara!
Jogo interrompido! Xingamentos! Brigas! Confusão! Vaias! Vaias! Vaias! Pobre da mãe do Juiz! Ameça de invasão! Polícia!
Quase meia hora depois, é que a cobrança pôde ser repetida. Zezé segue exatamente o mesmo ritual da primeira cobrança: ajeita a pelota, posiciona o pé esquerdo ao lado da bola, e recua alguns passos. E respira fundo, mão na cintura, e espiando pelo lado da barreira o posicionamento do goleiro, aguarda a autorização.
Cobrança mais que perfeita! A bola entra exatamente no mesmo ângulo da primeira cobrança! Gol do Águas!!! Gol do Águas!!! O jogo termina, a torcida invade o campo. Todos carregam o Zezé às costas e dão com ele a volta olímpica.
(1) Veja o texto A Seleção em Aguinhas
A narrativa A Seleção em Aguinhas faz parte do livro Menino-Serelepe - um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.