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Memórias familiares e de minha terra natal
Meu Diário
28/04/2013 08h01
Águas Virtuosas F. C. (11) - Craques (2) - Chá e Alemão

Mais alguns craques do nosso futebol e algumas de suas histórias:

Chá

Chá chegou em Lambari ainda jovem para jogar futebol, vindo de Itajubá. Atuou nos times do Vasquinho e do Águas, e ainda nos Veteranos do Águas. E também foi técnico de todos esses times.

Foi um grande lateral-esquerdo, muito bom tecnicamente, e um marcador implacável, que jogava limpo, na bola, e poucas faltas fazia.

Atuou também de zagueiro, e mesmo não possuindo uma estatura elevada tinha uma impulsão fantástica, e dificilmente perdia uma bola de cabeça. Mas havia um segredo, que ele acabou nos ensinando:

Na área, procure o melhor posicionamento, um olho na bola e o outro - o mais importante - no adversário.

E quando a bola vier, dê um, dois passos, para tomar impulso. Corra e salte o mais que puder, e, antes da bola chegar, jogue os ombros para baixo e lance a cabeça com toda a força para cima - assim você ganha uns centímetros a mais...

Foi também um grande pescador, e sobre isso deixei registrada no livro Menino-serelepe (*) a seguinte passagem:

Duas da tarde, hora de mais pescaria. Se de manhã deu lambari, depois do almoço nem isso. Pai olhou no relógio: cinco horas. E nadinha de peixe beliscar a isca. Subimos mais um pouco e pai encontrou o Chá Preto, na outra margem do rio. Pai gritou: — ‘Tá puxando aí, Chá? E Chá respondeu: — Uai, Dé, só debaixo da gaiada, na isca de fígado e no sangue. E levantou a fieira da água: um cambão de piabonas e curimbas. Quase caí duro, pois peixe bitelo assim só o tio Messias e tio Rubens é que sabiam pegar. Pai pediu e o Chá jogou um naco de fígado. Parti logo um pedacinho, isquei a varinha pegadeira e fui enfiando ela por sobre a linha do Chá, que era ali que as bichinhas ‘tavam puxando. Pai falou: — Guima, respeita o ponto de quem chegou primeiro. Chá riu e disse: — Deixa o menino, Dé. Pai falou: — Melhor aprender desde cedo, Chá. 

Pessoa simples, alegre, que, além de jogar futebol, fez de tudo pelos times em que atuou: foi massagista, roupeiro, cuidava da grama e trabalhou de vigia noturno no Estádio do AVFC. Sofreu muito com os seus conhecidos "joanetes", e certamente foi um dos jogadores mais queridos da história do nosso futebol.

Alemão

Oriundo da Ilha do Governador, no Rio, Alemão atuou nos juvenis do Flamengo (RJ), e jogou profissionalmente em times do Rio Grande do Sul. Seu irmão Bob jogou anos pelo Botafogo de Garrincha e companhia, depois foi para o Grêmio, de Porto Alegre, onde se aposentou. (1)

No Sul de Minas, Alemão atuou pelo Fluminense de Caxambu, cidade em que chegou a possuir uma granja, mas se casou e se fixou em Lambari como comerciante. Aqui, jogou pelo Águas e Vasquinho, e pelo Veteranos do Águas. Cuidava-se muito fisicamente e conseguiu jogar bola até depois dos setenta anos.

Atuava no meio-campo e de meia-atacante, e era um jogador muito inteligente, que sabia aliar à técnica refinada a "malandragem do futebol". Foi excelente técnico e sabia "ler" o jogo como poucos.

Sobre essa sua "malandragem", conta-se uma boa história:

Num jogo pelo Fluminense de Caxambu, num disputadíssimo campeonato amador regional, um troncudo marcador adversário foi escalado para marcar o Alemão. E, assim, caçou-o durante todo o jogo: faltas, pancadas, cotoveladas, xingamentos, gozações - procurando provocar uma contusão ou sua expulsão - o que ocorresse primeiro... E o Alemão protegendo a bola e a si mesmo, e, espertamente, "retribuindo" as pancadas  e as provocações que recebia. E tocando a bola e ditando o ritmo do jogo.

Há poucos minutos do final, correu pelo meio com a bola dominada e defrontou-se com o irritadiço marcador, que vinha a toda, despinguelado, como se diz por aqui na gíria da região, tentando matar a jogada. Alemão, então, estacou à frente do brutamontes e balançou o corpo pra lá, pra cá, e o botinudo abriu as pernas - e Alemão meteu-lhe a bola no vão das canetas. E, numa cena humilhante, o brucutu ficou lá sentado...

Alemão, pegou a bola do outro lado, deu uma paradinha, passou a mão na cabeça do pobre caneludo, que continuava sentado e perdido no lance - e disse:

Futebol é uma merda, não é meu caro?

..................................................

 

(1)  Bob, irmão do Alemão, no Botafogo de 1960. 

Veja este post: Arati, Bob e Juvenal - aqui

(*) Esta narrativa faz parte do livro Menino-Serelepe - um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.

O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.

Publicado por Guimaguinhas
em 28/04/2013 às 08h01

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