Num romance de Autran Dourado, certo personagem, ao refletir ante as dificuldades do ofício de escritor, diz que "nunca recebera cartas de Mário" - vendo-se, assim, como um "desafortunado da literatura", visto que Mário de Andrade correspondera-se com tanta gente.
A verdade é que Mário praticava com grandes personalidades do romance, da poesia, das artes, da música, o que chamava de "epistolomania". E nessa correspondência, de tão variados temas, ora teorizava, ora provocava, ora criticava, ora palpitava, ora pontificava como mestre ou como orientador. Na literatura, correspondeu-se com vários escritores e poetas, eles eles: Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Fernando Sabino, Oswald de Andrade, Cecília Meirelles, Pedro Nava, Sérgio Buarque de Holanda.
O mesmo Dourado disse que as noites e dias de dedicação a que Mário se entregava em sua faina epistolar certamente lhe roubaram precioso tempo para cuidar de sua própria obra poética e literária, conquanto essa seja extraordinária. De qualquer modo, a epistolografia de Mário de Andrade - correspondeu-se com cerca de 1.100 pessoas! - possivelmente está entre as maiores do mundo. (1)
Mas sua correspondência com Henriqueta Lisboa possui características peculiares. O poeta Affonso Romano de Sant'Ana diz que Mário disputava com os autores homens, mas com Henriqueta "ele confessava. Ela era o seu divã." (2).
E é ainda Sant'Anna, mineiro de Belo Horizonte, quem confessa esta delicada lembrança de seus tempos de estudante sobre a nossa Henriqueta:
Conheci Henriqueta Lisboa. Levemente. Discretamente. Sem aproximar-me muito. Para minha geração, ela era um ícone mineiro do modernismo, como o Emílio Moura e seu cigarro de palha. Então, eu a via num ponto de ônibus e admirava-a em seu silêncio. Via-a passando no saguão da faculdade e me parecia que ela apenas pousava na realidade. Devo ter conversado com ela (breve e respeitosamente) uma ou outra vez. Insuficientemente.
Ela era irmã do José Carlos Lisboa, que nos dava aula de literatura espanhola na Faculdade de Letras, sediada em três andares doEdifício Acaiaca. Era cunhada do professor Lourenço, que nos dava latim. Era irmã de Alaíde Lisboa, que nos ensinava pedagogia. Dizia-se que tinha, na cabeceira da cama, um retrato de Mário de Andrade coberto com um véu de casta paixão. E me penitencio de não a ter procurado mais e não ter desvelado por ela minha admiração. (2).
Pois bem, a citada correspondência entre ambos foi objeto de um livro - cuja capa encima este post -, numa bela e minuciosa edição de Eneida Maria de Souza, que mostra
o ritmo intenso da interação entre os dois escritores, e o aparente paradoxo de duas personalidades tão distintas, com projetos literários muito diferentes, [abrindo-se] a confidências e reflexões marcadamente pessoais, num nível de franqueza e complexidade raras vezes alcançado [...] (3).
E aqui queremos destacar do livro um pequeno ponto que interessa à nossa terra - Aguinhas, qual seja: um cartão postal que a lambariense Henriqueta enviou a Mário de Andrade, no Natal de 1943: (4)
(1) http://veja.abril.com.br/060897/p_132.html
(2) Henriqueta e Mário. Affonso Romano Sant'Anna. [Artigo]. Estado de Minas, 16, mai, 2010.
(3) Correspondência Mário de Andrade & Henriqueta Lisboa. Organização, introdução e notas de Eneida Maria de Souza. São Paulo : Editora Peirópolis : EDUSP, 2010.
(4) https://www.ufmg.br/online/arquivos/015918.shtml
Monografia sobre Henriqueta Lisboa: aqui