O galo, quando canta / a cobra bate chocaio;/ quero que 'ocê me ensine/ roubar carta no baraio.
(Trova popular mineira, oriunda de Peçanha (MG)
Deixei anotado no Menino-Serelepe* uma passagem sobre o jogo de truco:
E tio Pedrinho, que depois que deixou a roça também tocou um bar na Vila Nova, quando estava visgado na orelha da sota, jogando a leite de pato, encamaçando o baralho, gostava de bravatear: Truco, moço, que eu já vim do Mato Grosso, carça larga mão no borso, o parceiro é um colosso! Truco, moço!
Desde menino vi familiares jogando truco, especialmente aqueles que moravam na roça. Abaixo vai um pouco de lembranças de truco e truqueiros.
Sua origem é incerta, mas especula-se que o jogo de truco (ou truque, como popularmente é chamado) tenha surgido dos mouros, porém não há consenso a esse respeito. No Brasil foi popularizado, a partir do Século XIX, por imigrantes italianos, portugueses e espanhóis, a princípio nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Difundido pelos tropeiros, era muito jogado nas fazendas do interior do pais, depois, rapidamente chegou aos centros urbanos. É um jogo divertido e barulhento, com gritos e brincadeiras, que quase nunca é jogado a dinheiro.
Na foto abaixo, do início dos anos 1900, obtida no Museu Américo Werneck, provavelmente a pose se deu durante uma partida de truco.
Jogadores de truco, Lambari (MG), início dos anos 1900
Douradinha, Dourada e Douradão (ou Douradona)
Tire a sorte. Dê vancê. / Serre o baraio, Tonico.
Dêxe pro pé. – Bamo vê? / Truco in riba desse bico!
(Trova caipira)
Foi meu pai quem me ensinou a jogar truco. Mas foi na casa do tio João Lobo (tio de minha mãe, irmão de meu avô Miguel Lobo), juntamente com meu primo Miguel, que aprendi a jogar a Douradinha (6 parceiros), a Dourada (8 parceiros) e o Douradão (10 parceiros). O jogo se dava nas tardes de domingo, no porão da casa do meu tio, regado a bolo, guaraná e café, gentilmente servidos pela tia Maria. Eu e Miguel éramos os mais jovens, e lá aprendemos a enfrentar um timaço, todos veteranos do jogo de truco: tio João Lobo, tio Pedrinho Avíncula, João Modesto, João Cabo, Candeia, Zé Vicente (das Congadas), Tião Venâncio, João Silvestre, entre outros.
Nesses jogos, o baralho utilizado era o comum, com 52 cartas, do qual eram retiradas as cartas 8, 9 e 10 de todos os naipes (restando 40 cartas). Pelas nossas regras, a manilha era presa e valiam as conhecidas (quatro de paus, sete de copas, ás de espada e sete de ouros). Acima dessas, na Douradinha, a dama de ouros; na Dourada, acima da dama de ouros, o rei de ouros, e no Douradão, acima do rei de ouros, o rei de paus.
Alfredo Volpi, Jogadores de truco (reprodução)
Jogo é jogado, lambari é pescado.
Em janeiro de 1961, o Sputinik já comentava sobre os papudos do truco de então: Zé do Janjão, Juca Lino e Alcino, entre outros:
Por essa época, outros truqueiros famosos, reuniam-se no Bar do Juca, entre eles: Zé Roberto Monti, Carabina, Nenê Nascimento, Alemão, Chico Panu.
No Bar do Tião Vilanova, o truco também era concorrido: Hélio Noronha, Zé Roberto, Boró, Celso, João Bode, Neguinho...
Lá pelos anos 70, jogava-se truco no Varandão, no Bar da Cascata, no Bar do Seu Pedro, e nas parceiradas, entre outros: Pedro Barbeiro, João Fubá, Mauro, Zé Braz, Jair do Salomão, Pica-fumo.
Nos anos 80/90, a moçada do futebol costumava se reunir nos finais de semana na casa da Dona Xandoca e nos fundos do Restaurante do Lúcio, entre eles: Décio, Kit, Magrelo, Véio, Betinho, Luizinho, Tucci, Misca, Ró, Guinho, Zé Amauri...
Atualmente, uma seleção de papudos e contadores de vantagens reúne-se aos domingos: Betinho Nascimento, João Bibiano, Lacy, Vicentinho, Sérgio Raimundi, Guinho, Misca... Quem ganha, quem perde, ninguém sabe, pois na segunda-feira todos se declaram vencedores!
Olha aí os truqueiros! Saudades dos que já partiram: João Bibiano, Betinho e Vicentino
Fonte: Reprodução. Facebook
E o Elia, de onze ainda perdia.
Histórias de truquêro, como as de pescador, são, geralmente, mentirosas, ou, no mínimo, exageradas. Mas, um dos truquêros citados acima contou-me o seguinte caso que teria ocorrido aqui em Aguinhas. Se é verdadeiro, não sei, mas vou contar.
"Mais vale um sinár farso do que carta"
Na nega de 7 queda, nóis 9 mio e eles 11, os hómi, bem de carta, mandaro. Um deles, o Elia, o que mandou o jogo, saiu de sete de copas e trêis, e seu parceiro tinha sete de oro e um doiszinho.
Do nosso lado, meu parceiro, que era o mão, não tinha nada, mas deu sinár farso de três. Eu saí de zap e trêis, mas dei sinár de espadia e escundi o trêis.
O adversário com o doiszinho e sete de oro era o pé, e meu parceiro, na mão, saiu de rei. Aí, o Elia cobriu de sete de copas, querendo garantir a primeira, pois viu meu sinal de espadia. Mas eu fechei a primeira com o meu zap escundido!
Na outra mão, pensei: Eles mandaram e deve de ter mais uma manilha. Então, lancei uma dama e recuei o meu trêis. E aí o que fora pé na vez anterior cobriu de sete de oro, cum medo do meu parceiro fechá o parceiro dele cum o trêis. Mas o sinár era farso, parceiro num tinha três nenhum, o três tava cumigo. Eles fizero a segunda, e na finár, o Elia, que tinha um três socô a mesa, gritando:
— Toma lá, pacuera! E jogou a carta na mesa. Mas eu tornei, mais árto:
— Engole esse aqui, papudo! E colei o meu trêis na testa! E ganhamo três armoço no Tião Vilanova!
Bico: s.m. carta de somenos valor no jogo do truque (os “dois” e os “três")
Dunga: o dois de paus, no jogo de douradinha.
Manilha: [Do francês manille]. S. f. 1.Denominação comum a algumas cartas de baralho, em certos jogos, que possuem maior valor. No truco, há a manilha presa, em que as de maior valor são: sete de ouros, ás de espadas, sete de copas e quatro de paus. Na manilha solta, vira-se uma carta, e as cartas acima tornam-se manilhas, sendo as maiores, pela ordem, as dos seguintes naipes: paus, copas, espada e ouros.
As manilhas recebem nomes curiosos: Zápite (zap, carreta, ferro, ); escopeta; espadilha; sete belo (douradinha, mata três).
Mão-de-onze: – Ocorre quando uma parceirada atinge 11 pontos na partida, e pode decidir se irá ou não jogar. Se não jogar, o adversário ganhará um ponto; se jogar, a mão valerá 3 pontos. Nessa mão, não se pode trucar.
Mão-de-ferro: – A mão-de-ferro se dá quando ambas parceiragens estão com 11 pontos na partida. Quem vencer a mão, ganha o jogo.
Negra (ou nega): [Gíria]. Em jogos de vários empates, a última partida, em que se define o vencedor.
Trucada: S. f. - uma vez, uma jogada ou mão de truque; o ato de trucar.
Truque, S. m. - jogo entre quatro parceiros, cada um dos quais dispõe de três cartas. É este o mais popular dos jogos de cartas, no interior de S. P. e de quase todo o Brasil. Em S. P. joga-se com as seguintes cartas, pela ordem dos valores: os dois, os três (bicos), o sete-oro (sete de ouros), a espadia (espadilha), o séte-cópa (sete de copas), o quatro-pau (quatro de paus), ou zápe. Faz parte da pragmática do jogo levá-lo sempre com pilhérias e bravatas, umas e outras geralmente acondicionadas em fórmulas estabelecidas.
Truquêro, S. m. - jogador de truque.
Trucar: Propor ao parceiro, no jogo de truco, a primeira parada.
Trucá(r), v. i. - o ato de provocar o adversário, no jogo do truque, antes de uma jogada. O que truca exclama, em regra: truco! O adversário manda, ou corre. Se manda, na dúvida de fazer a vaza, é geralmente com a frase - Bâmo vê, ou - Jogue. Se tem a certeza de ganhar, ou pretende amedrontar o outro, responde com ênfase, às vezes aos gritos: Toma seis! - Seis, papudo! - E diga porque não qué!" e outras bravatas por esse estilo.
Trucá de farso: trucar sem carta que assegure o lance, só para amedrontar o adversário; fig., fazer citação falsa, alegar fatos não verdadeiros.
Vaza: sf (castelhano baza). Cada uma das rodadas ou partidas de que se compõem o jogo.
Referências: O Dialeto Caipira, Amadeu Amaral - Dicionário Sertanejo, Cornélio Pires - Dicionário da Terra e da Gente de Minas, Waldemar de Almeida Barbosa.
Veja causos contados por Rolando Boldrin, aqui
JOGO DE TRUCO - Rancheira - Música de Luizinho e letra de Ado Benatti. Gravação Odeon - 1959. Luizinho, Limeira e Zezinha mais os truqueiros: Ado Benatti, que aqui é chamado de Zé do Mato, e o Biguá reproduzindo em forma de música uma partida de truco. É a alegria, a criatividade e o talento do artista sertanejo de outros tempos.
No Youtube - (aqui)
A leite de pato(a): Jogar de brincadeira, sem valer nada.
Encamaçar: Preparar (um baralho de cartas) para enganar os parceiros.
Orelha da sota: Estar na orelha da sota = estar no jogo de cartas. [Sota = dama no jogo de baralho.]
Visgado: Preso, agarrado [derivado de visgo, resina com que se prende pássaros].
(**) Este trecho faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a coletânea HISTÓRIAS DE ÁGUINHAS. V. o tópico Livros à Venda.
Referências: Museu Américo Werneck, Wikipedia, http://www.jogosdecartas.com.br/
GUIMAGUINHAS tem uma página no Facebook
Clique (aqui) para conhecer, e curta a Página para receber nossas atualizações