Ilustração: Primeira igrejinha de N. S. da Saúde, em Lambari, MG - Primeiras décadas dos anos 1800
(Lambari) nasceu, cresceu e vive à sombra de sua água mineral, e, na época em que apareceu a água, o seu aparecimento deveria ter repercutido em toda comarca do Rio das Mortes e em toda Capitania de Minas Gerais como um acontecimento de grande significação.
José Nicolau Mileo - Subsídios para a história de Lambari
No texto abaixo, vão ligeiras informações sobre a água, o seu uso pelos seres humanos, os poderes a ela atribuídos e as crenças e rituais disso derivados, nos campos da saúde, da cultura e da religião, desde a pré-história até os dias de hoje.
Por fim, recordamos que o culto a Nossa Senhora da Saúde, em Lambari, e a construção da primitiva ermida a ela dedicada, e da antiga igreja e da nova matriz que vieram a seguir, estão ligados às virtudes terapêuticas das águas minerais.
Vamos lá.
Lazzerini & Bonotto, no artigo Fontes de águas “milagrosas” no Brasil [1], anotam que, desde a pré-história, a mais de um milhão de anos, encontram-se registros de benefícios emocionais, mentais e fisiológicos produzidos por substâncias minerais e processos geológicos, como usos curativos de argilas e águas.
Na atualidade, prosseguem os autores citados, ocorrem "fontes sagradas" na Europa, Ásia, América, em países como: Irlanda, Grécia, Israel, Índia, Tibete, Arábia Saudita, França, Turquia, Bélgica, EUA.
Gruta e fonte em Lourdes (França), onde N. S. de Lourdes apareceu à menina Bernadette, em 1858
Narra-se que a aparição (Virgem Santissima) convidou Bernadette a cavar o chão e beber a água da nascente que encontrou lá. Como a notícia se espalhou, essa água foi administrada em pacientes de todos os tipos, e muitas curas milagrosas foram noticiadas. (Fonte: Wikipedia)
Na Bíblia, vamos encontrar referências a locais/águas sagrados. Por exemplos:
Jesus curando o paralítico, no Tanque de Betesda (Fonte: Rude Cruz - aqui)
No Brasil, há inúmeras ocorrências históricas de culto à água, como estas: vestígios arqueológicos no Rio Grande do Norte e Ceará sugerem simbologias de culto à água; populações primitivas ou tradicionais (indígenas e comunidades de pescadores, caiçaras, sertanejos, etc.) sempre renderam algum tipo de culto às águas e seus seres, e assim também os cultos afro-brasileiros; e, desde a vinda dos jesuítas, ocorreram inúmeros registros de relações das águas com a religião católica, como os que seguem abaixo: [1] [2]
Em Canindé, o roteiro devocional inclui, além da Basílica, outros pontos importantes, como a estátua de São Francisco, inaugurada em 2005. Possuindo 30 metros de altura, está localizada no morro do Moinho, dialogando agora com o símbolo maior que é a Basílica, sendo um dos lugares mais visitados na cidade (Fonte: ufrj.br/16/teses/775268.pdf)
Em 1918, Trajano Vaz retratou o encontro da imagem do Senhor Bom Jesus de Iguape, na Praia do Una, Juréia, no ano de 1647. (Fonte: Wikipedia - aqui)
Em Tiradentes (MG), fica Águas Santas, onde se ergue a Igreja de N. S. da Saúde, cujas águas medicinais, descobertas em meados do Século XIX, brotam do sopé da Serra de São José (Fonte: IHGT - aqui)
Vê-se, assim, que, como em todo mundo, no Brasil também é historicamente popular a crença no poder miraculoso de certas fontes, chamadas de milagrosas, santas, sagradas, virtuosas ou mágicas. [1]
Além da importância fundamental ao meio ambiente, as águas de fontes santas, milagrosas ou curativas possuem estreita correlação com a origem, história, tradição, saúde, religião, ciência e economia humana.
Fontes de águas “milagrosas” no Brasil - Fábio Tadeu Lazzerini e Daniel Marcos Bonotto
A expressão Águas Virtuosas designava as propriedades curativas e medicamentosas das águas minerais e sua ação terapêutica e preventiva em face de diversas doenças. Expressões como água santa, milagrosa ou curativa também foram usadas para nomear as águas minerais em diversas regiões do País. [1]
Em Minas Gerais, dois filões geológicos de águas virtuosas, constituindo cada um deles uma bacia subterrânea independente, brotam do Planalto da Mantiqueira: Lambari e Cambuquira — Caxambu e São Lourenço. [4]
Note-se que expressão águas virtuosas foi associada também às águas de Caxambu e Cambuquira, descobertas posteriormente às de Lambari. As Águas Virtuosas de Baependy (depois Caxambu) foram descobertas em 1814, e as Águas Virtuosas de Cambuquira, nos anos 1860.
Por sua vez, a descoberta das Águas Virtuosas de Lambary ocorreu anos antes, em 1780/90, sendo elas designadas inicialmente por Águas Virtuosas de Campanha do Rio Verde, Águas Santas da Campanha e Águas Virtuosas da Campanha. Quando foram descobertas, eram conhecidas em todo território nacional apenas duas fontes hidrominerais: a fonte do Cipó, na Bahia, descoberta em 1730, e a fonte de Caldas Novas, em Goiás, descoberta em 1737. [5]
Reprodução: Jornal do Comércio, 5, dez, 1843
Informa José Nicolau Mileo que a descobertas dessas fontes traçou os destinos do atual município de Lambari,
que nasceu, cresceu e vive à sombra de sua água mineral, e, na época em que apareceu a água, o seu aparecimento deveria ter repercutido em toda comarca do Rio das Mortes e em toda Capitania de Minas Gerais como um acontecimento de grande significação, já que até quando foi descoberta assinalavam-se em todo território nacional apenas duas fontes hidrominerais: a fonte do Cipó, na Bahia, descoberta em 1730, e a fonte de Caldas Novas, em Goiás, descoberta em 1737. [5]
A devoção a Nossa Senhora Aparecida e a descoberta da “Água Santa” em Lambari
Mais tarde, passava pelo lugar uma estrada, e o boiadeiro ou tropeiro, parava, chegava reverente até a nascente da ÁGUA SANTA, bebia, punha um pouco sobre a cabeça nua, banhando os cabelos e a testa, e enchia uma botija, que levava com escrupuloso cuidado para operar a uma, a 50, 80 e cem léguas de distância.
Extraído de A LENDA DAS ÁGUAS VIRTUOSAS, texto atribuído a Américo Werneck (aqui)
Como se sabe, foi quando da passagem de D. Pedro de Almeida Portugal, então Governador de das Províncias de São Paulo e Minas do Ouro e futuro Conde de Assumar, pela Vila de Guaratinguetá rumo a Vila Rica, em 1717 (*), que, segundo a tradição devocional, se deu o achado por pescadores da imagem de Nossa Senhora da Conceição, posteriormente nomeada Nossa Senhora Aparecida. [13]
Tempos depois, Nossa Senhora da Conceição Aparecida passou a ser cultuada em ritos domésticos, em pequenos altares e oratórios [9], prática essa que se estendeu por diversos lugares, com fama da Senhora levada por tropeiros, sertanistas e mineradores. [13]
(*) - Neste ano, em outubro, completam-se 300 anos da aparição da imagem da Virgem Maria.
Imagem de Nossa Senhora Aparecida, que apareceu para os pescadores Domingos Garcia, Felipe Pedroso e João Alves em outubro de 1717. (Wikipedia - aqui)
A disseminação das capelas dedicadas à Nossa Senhora Aparecida coincide com a notícia do achado das águas minerais na região de Lambari [9], visto que de 1780 a 1790 situa-se a década provável da descoberta das águas. [7]
De fato, em 1780
Velhas memórias, surgidas de poeirentos alfarrábios, mostram-nos que a descoberta da preciosa fonte data do fim do século passado [Século XVIII]. Segundo uma dessas memórias, trazidas a lume pelo Dr. Pires de Almeida, foi em 1780 que o proprietário daquelas terras, Antônio d'Araújo Dantas, deu fé da Água. [16]
Em 1780, tais águas eram procuradas por moradores da Comarca e viajantes de tropa, atraídos pelas suas qualidades específicas. [14]
Mais tarde [a partir de 1780/90] o povo lhe reconhece as propriedades medicinais e espontâneo lhe vêm o nome: Águas Santas, ou Águas Virtuosas. [16]
Circulando pela Estrada Velha, ou Caminho Velho [que ligava a Corte (Rio de Janeiro) à cidade de Campanha, passando por Guaratinguetá], tropeiros, sertanistas, mineradores, boiadeiros e outros viajantes trouxeram à Região do Lambari o achado da Senhora Aparecida, e provavelmente foram esses mesmos que levaram às localidades por onde passavam as “curas milagrosas” produzidas pela “água santa”, por intercessão de Nossa Senhora da Saúde. [9]
Àguas Virtuosas de Lambary e Nossa Senhora da Saúde
Obtida a licença necessária, erigiu uma linda e rústica capela, dedicada à Nossa Senhora da Saúde, e, no meio de numerosos convidados, efetuou-se o enlace feliz.
Extraído de A LENDA DAS ÁGUAS VIRTUOSAS, texto atribuído a Américo Werneck (aqui)
O culto a Nossa Senhora da Saúde, em Lambari, como decorre da tradição devocional, está claramente associado às virtudes terapêuticas das águas minerais. Alguns registros documentais e a criação de uma lenda – A lenda das Águas Virtuosas – ajudam-nos a resgatar esse aspecto singular da história de nossa cidade.
A lenda se baseia no uso da água virtuosa por uma jovem de nome Cecília, que, curada de seus males, pediu ao pai que erguesse uma capelinha em homenagem a Nossa Senhora da Saúde. [15] Note-se que o fundo religioso dessa história – a fé na Virgem Santíssima e os poderes curativos atribuídos às águas virtuosas – deve ter vindo naturalmente da tradição oral que a religiosidade popular teceu nos anos seguintes à descoberta das águas santas, dentre as muitas histórias que circulavam acentuando seus poderes curativos. [9]
E as razões históricas encontram-se num pedido da Câmara da Campanha da Princesa, para construção de uma ermida, nas proximidades das nascentes das "águas santas" e num grupo de católicos devotos que conceberam a ideia de erguer uma igreja sob a invocação de Nossa Senhora da Saúde.
Vejamos abaixo os dois casos.
Diz uma lenda corrente nos primórdios de Águas Virtuosas que a devoção a Nossa Senhora da Saúde começou quando: [8] [9]
(...) por volta do ano de 1870, na cidade de Campanha, um africano de nome Antônio de Araújo Dantas revelou ao moço de nome Tancredo a existência de águas curativas, que existiam atrás da serra, numa nascente perto de um riacho.
Tancredo era noivo da moça de nome Cecília, filha de Antônio Alves Trancoso, fazendeiro de Passos, que submetia a filha a longo tratamento médico, mas já sem esperança de curá-la.
Tancredo fala-lhe das águas, nas curas maravilhosas de que tinha notícia, e insiste com o futuro sogro para ir ao lugar e levar a filha. Trancoso já desanimado com o tratamento médico, resolve buscar a cura por meio das águas virtuosas.
Aqui ficou por algum tempo e sua filha com o uso das águas durante uns 20 dias apenas, nada mais sentia de seus antigos males.
Cecília radicou-se ao lugar por uma afeição de grande agradecimento e, devota que era de Virgem Maria, pediu a seu pai para construir uma capela, sob a evocação de Nossa Senhora da Saúde. Trancoso voltou a Campanha, obteve autorização do Eclesiástico local e construiu a igreja, na qual, após a bênção pelo Capelão da Campanha, se realizou o seu casamento com Trancredo.
Isso reza a lenda; no entanto, a realidade histórica é outra. Com efeito, o Monsenhor José do Patrocínio Lefort escreveu:
Sem fundamento algum, a não ser a imaginação fantástica de um contista, é a lenda de Cecília, filha de Antônio Alves Trancoso, [que] teria feito uso da água e se curado de um mal grave. É estoria de Werneck para efeito de propaganda, pois não existia a família Trancoso nem em Passos nem no Sul de Minas. [A sublinha é do original.] [7]
NOTA: Essa lenda encontra-se também nestes textos:
A Ermida de Águas Virtuosas da Campanha
Os registros históricos reportam-se à criação de uma ermida, nestes termos:
A Câmara de Campanha em 24 de janeiro de 1827 oficiara ao Visconde de Caeté, então presidente da Província de Minas Gerais, encarecendo a necessidade de se construir "uma pequena Ermida para se dizer a Missa ao Povo" e, em 1832, a mesma Câmara propôs que se marcasse "o lugar próprio para a fundação do Templo que deverá fazer para a Povoação". [10] [11]
Mas, por aquela época, eram precários tanto os caminhos que levavam às fontes das águas quanto as habitações e construções da localidade, e só mais tarde os poderes constituídos de Campanha mandaram mudar e atalhar muito próximo das fontes o caminho para o Rio de Janeiro (Estrada Geral), com o que se deu o crescimento do arraial e a construção da citada ermida. [17]
De fato, em 1830, separa-se uma área patrimonial, dentro da qual, em 1832, foi escolhido um trecho para a construção de um templo dedicado a Nossa Senhora da Saúde. Mas a ermida só aparece em 1837, como registrou o memorialista Armindo Martins:
A fundação da Capela da atual Lambari, naquele tempo Águas Virtuosas da Campanha, foi levada a efeito, depois de 1837. Seu primeiro capelão foi o Cap. Pe. Inácio Barbosa Martins, que pontificou de 1835 a 1841. [11]
Quatro anos depois, ela foi ampliada pelo vigário da Paróquia do Senhor Bom Jesus de Matozinhos do Lambari. A área no entorno da ermida foi loteada, os terrenos vendidos e grande foi a afluência dos visitantes à procura de saúde. [7]
Em substituição à primitiva igrejinha, foi construída a primeira matriz dedicada a Nossa Senhora da Saúde, cujas obras iniciaram em 1853 e terminaram no transcurso da década de 1870. [18]
A iniciativa da obra deveu-se a habitantes da povoação de Águas Virtuosas, [que] “conceberam a ideia de construir uma capela sob a invocação de Nossa Senhora da Saúde (...) e deliberaram promover uma subscrição para a ereção do templo”. Para tanto, “criaram a mesa administrativa composta dos Srs. Bento Antônio dos Santos, presidente e tesoureiro, Manoel Joaquim do Nascimento, secretário, Manoel Izidoro de Carvalho, José Francisco de Oliveira e José Teixeira Fortes, procuradores”. [12]
Desde 1843 até 1861,
(...) conseguiram assinaturas na importância de 3:290$, tendo sido paga a quantia de cerca de 1:000$. Há pagar-se a quantia de cerca de 2:287$, além de várias promessas de ornamentos para a igreja, de um sino, de um missal, etc. [12]
Até meados dos anos 1870, as obras não haviam terminado:
(Águas Virtuosas da Campanha) possui uma boa igreja, ainda não concluída, dedicada a Nossa Senhora da Saúde e que foi construída com esmolas dos fiéis, sendo as mais avultadas as que foram ofertadas pelos comendadores Lucas Antônio Monteiro e José de Souza Breves. [19]
Por essa época, os diretores das obras da igreja eram: Vigário João Batista das Neves (pontificou de 1871 a 1877), Antônio Joaquim do Nascimento e Antônio Pereira de Gouveia
Em 1850 a assembleia provincial elevou a povoação de Águas Virtuosas à categoria de freguezia, servindo de sede a de Lambary [atual Jesuânia], até que se fizesse a igreja das Águas Virtuosas, para o que decretou 2:000$. [12]
Reprodução: A Atuaclidade - 24, ago, 1881