Ilustração: Placa indicativa da Rua dos Italianos, na casa da esquina com Praça N. S. Saúde
Não existe rua com pedras mudas nem casa sem eco.
Góngora
No começo dos anos 1850, os primeiros italianos chegaram ao Sul de Minas, instalando-se em Campanha (MG). A partir daí, essas famílias atraíram outros conterrâneos com destino àquela cidade. Nas décadas seguintes, diversos membros dessa colônia de italianos se instalaram em Águas Virtuosas de Lambari.
Em 1894, em Águas Virtuosas, a rua em que moravam diversas dessas famílias passou a se chamar Rua dos Italianos.
É a história dessa rua que vamos narrar a seguir.
Vista da Rua dos Italianos
Gerações de lambarienses passam por esta rua sem conhecer sua importância na história de nossa cidade, surdas ao vozerio de suas pedras centenárias, indiferentes aos ecos de suas antigas casas...
Veja também:
As famílias italianas em Águas Virtuosas de Lambari
Na década de 1870, João Marçano e em seguida Lucas Zaccaro vieram para Águas Virtuosas de Lambari, sem as respectivas famílias, e aqui se instalaram como comerciantes; alguns anos depois, retornaram a Itália.
Vindo de Campanha, a partir de 1880, um grupo de famílias originárias da mesma região da Campânia — província de Basilicata, cuja capital é Potenza, situada entre as províncias de Nápoles e Calábria — se instalou em Águas Virtuosas e aqui se fixou.
Região da Basilicata, Itália (Reprodução: GoogleMaps)
Quase todos vinham do mesmo paese* e muitos eram parentes próximos. Ordeiros, operosos, respeitosos à lei, esse grupamento de italianos muito contribuiu para o progresso de nossa cidade. [3, p. 111]
Fonte: Paulo Roberto Viola [2, p. 72]
Nos anos 1890, várias famílias de italianos estavam fixadas na Rua Camilo Fraga. Na eleição realizada em 15 de novembro de 1894, se decidiu pelo voto dos eleitores italianos — cerca de 30 imigrantes que aqui residiam.
Esses votos ajudaram na eleição do grupo político liderado por Garção Stockler e João Bráulio Júnior, que homenagearam a colônia de imigrantes dando o nome de Rua dos Italianos à antiga Camilo Fraga. Essa circunstância atraiu para aquela rua diversas outras famílias de origem italiana, que residiam em pontos diferentes da povoação. [1, p. 51]
E a história de Mileos, Violas, Grandinettis, já de origens muito próximas, misturou-se ainda mais ao vozerio, às comidas, às profissões, às artes de Lorenzos, Biasos, Raimundis. E novos laços familiares se formaram: MILEO e VIOLA. VIOLA e LORENZO. MILEO e RAIMUNDI. GRANDINETTI e VIOLA. BIASO e MILEO.
Mas não foram só italianos que fizeram essa rua famosa: espanhóis, alemães, portugueses (Castilho, Pinto, Silva, Cruz, Sá e Silva, Krauss) também ali residiram, aproximando culturas e originando diferentes núcleos familiares: SANTORO e KRAUSS, SANTORO e PINTO, BIASO e PINTO, GRANDINETTI e CRUZ.
EgídioPelluse (ao centro) rodeado de membros das famílias Mileo e Viola
Família Grandinetti Cruz - José Honório, d. Silvia e filhos
Olavo Krauss, sua esposa Maria e filhos, ao tempo que moravam na Rua dos Italianos
História de crianças - Solta o Violento!
Os filhos do seu Olavo Krauss passaram parte da infância na Rua dos Italianos, misturados às crianças de lá e a muitas outras que apareciam para as brincadeiras de rua.
Uma dessas brincadeiras tem como personagem o cachorro Violento, que na verdade era um vira-latas ligeiro e brincalhão, caçador de tatus, que era a alegria dos meninos daquela época. O cão pertencia ao Expedito Guimarães (conhecido por Expedito-sem-braço), primo do meu pai (Dé da Farmácia) e é Expedito quem me recordou essa história, também contada pelo meu falecido sogro Célio Krauss.
Pois bem, a brincadeira consistia em levar o Violento para o alto da rua, segurá-lo e soltá-lo juntamente com alguns meninos, numa corrida tresloucada ladeira abaixo.
Dizem que o menino Célio Krauss era o único que vencia o Violento nessa brincadeira...
Os meninos Expedito Guimarães e Célio Krauss, personagens dessa história
Rua dos Italianos nos tempos de Werneck
Em 1909, Américo Werneck assumiu a prefeitura de Águas Virtuosas de Lambary e a presidência da Comissão de Melhoramentos e a superintendência das obras de embelezamento da cidade. Para isso, adquiriu cerca de 100 terrenos e prédios, alguns na Rua dos Italianos, seja para dotar a cidade de novas ruas e avenidas, seja para construção de prédios e edificações que idealizara (cassino, lago, hotel, teatro, etc.), alguns dos quais não chegou a realizar.
Vista da Rua dos Italianos, nos anos 1900
Ao lado direito do Cassino, em 1911, ainda estavam de pé os prédios pertencentes a Manoel Viola e Salvador Priante, que foram demolidos para formação da esplanada onde deveria ser erguido um grande hotel
1911: Ao fundo, à direita do Cassino, veem-se antigos prédios da Rua dos Italianos, posteriomente demolidos
Rua dos Italianos nos anos 1950
Na foto abaixo, dos anos 1950, veem-se os principais prédios da Rua dos Italianos, alguns dos quais ainda existentes.
Vista da fachada das casas na Rua dos Italianos, anos 1950.
Anos 1940: Esquina da Rua dos Italianos com Silviano Brandão (atual Dr. José dos Santos), a chamada Esquina dos Três Poderes (em razão de 3 bares que existiam nas esquinas, entre eles o conhecido Bar Sete)
As Vilas
Com o morar muito próximos e a formação de novas grupos familiares, surgiram as vilas* de casas — pequenas casas construídas aos fundos dos prédios principais fronteiros à rua.
Arranjo de azulejos com imagem de Santo Estevão, que dá nome à vila, construída por José Freire das Neves
A fachada da Vila Santo Estevão foi preservada
O sobrado da família Sá e Silva ainda persiste
E também o sobrado da família Grandinetti Cruz
Em 5 décadas, muita coisa mudou na área urbana de Lambari. Como é natural — em prejuízo dos pósteros e da memória urbanística das cidades — antigos prédios cederam espaço a construções modernas.
Confira duas ocorrências nas fotos abaixo:
Foto dos anos 1960: Ao fundo, a Rua dos Italianos, com o Casarão do sr. Olavo Krauss. Na esquina, à direita, um antiga residência
O casarão do seu Olavo Krauss foi demolido
A antiga residência da esquina (Rua São Paulo - atual Wadih Bacha - com Rua dos Italianos) deu origem a uma casa moderna
Os meus bisavós italianos: Bordigoni e Gentilli
Neste link (aqui), eu conto as origens dos meus bisavós, que, vindos de Massa (Itália), se instalaram primeiramente na região dos Ribeiros (próximo de Heliodora) e depois se fixaram em Águas Virtuosas, na Vargem (bairro Vila Nova), como horticultores.
Francesca Bordigoni (Chica Gorda) e Giuseppe Gentili (José Gentil), meus bisavós italianos
Outras ruas e praças mencionadas no site GUIMAGUINHAS
[1] MILÉO, José Nicolau. Ruas de Lambari. Guaratinguetá, SP : Graficávila, 1970, págs. 47 e 50
[2] VIOLA, Paulo Roberto. Lambari, como eu gosto de você. Rio de Janeiro : Ed. Navona, 2002, pág. 63 e 72.
[3] MILÉO, José Nicolau. Subsídios para a história de Lambari [A fixação do elemento italiano na cidade]. Guaratinguetá, SP : Graficávila, 1970, págs. 107 a 114
Fotos: Museu Américo Werneck e arquivo pessoal do autor.