Ilustração: Capa do Almanaque Fontoura, 1944. Reprodução. Fonte: Site Mercado Livre
No dicionário Michaelis Eletrônico está esta definição de almanaque:
A seu turno o Dicionário Aulete Digital anota:
Ao longo da história surgiram diferentes tipos de almanaques, como o administrativo, o histórico, o literário e o almanaque de farmácia.
O tema deste post é o almanaque de farmácia.
Vamos lá!
Os almaques surgiram na Europa a partir dos anos 1450. Nos séculos XVI e XVII, passaram a circular por todo o Continente, trazendo calendário, informações de astrologia, utilidades e entretenimento. (Trizotti, 2008)
Diz TRIZOTTI (2008) que:
No Brasil, somente a partir de 1821 tivemos a imprensa livre e com ela a publicação de jornais e almanaques. Os primeiros almanaques cuidavam da vida administrativa das cidades (horários de trens, tabela de preços e produtos, tarifas de correio de transporte). Surgiram depois os almanaques literários e mais à frente os almanaques de farmácia. (Trizotti, 2008)
Nosso primeiro almanaque de farmácia foi O Pharol Medicinal (1887), trazendo táboa de cambios, kalendário, diversões e indicações uteis (sic).
Outros surgiram depois, como Saúde da Mulher, Bromil, Capivarol.
Contudo, o mais famoso foi o Biotônico Fontoura, que vamos comentar mais abaixo.
Sob patrocínio da Granado & Cia., em 1887 aparece no Brasil o primeiro almanaque de farmácia. Reprodução. Fonte: bn.digital.gov.br
Almanack Ilustrado Oliveira Júnior & C. 1902. Calendário, datas festivas, citações, propagandas dos produtos da empresa.Fonte: bn.digital.gov.br
Almanack Pharmacia Silva-Araujo. 1913. Calendário, horóscopo, citações, propagandas dos produtos da empresa. Fonte: bn.digital.gov.br
Outros almanaques de farmácia publicados no Brasil. Fonte: GOMES, Mário Luiz. 2005
Almanach Sul-Mineiro, 1874. Editado em Campanha. Trazia calendário, dados históricos e informações administrativas da Região do Sul de Minas, de Águas Virtuosas, inclusive. Fonte: bn.digital.gov.br
Almanach do Município da Campanha, 1900. Trazia calendário, dados históricos e informações administrativas da Campanha e seus distritos, inclusive Águas Virtuosas de Lambary. Fonte: bn.digital.gov.br
ALMANAQUES NA FARMÁCIA SANTO ANTÔNIO
No Brasil das décadas de 1920/80s, almanaques de farmácia eram famosos e disputadíssimos — e distribuídos gratuitamente à clientela.
No livro MENINO-SERELEPE, conto que dos meus 12 até 15 anos trabalhei na Farmácia Santo Antônio.
Pois bem, recordo que nesse período distribuí muitos desses almanaques.
Dentre eles, o Renascim, o Sadol, o Fontoura:
Fonte: https://catarinensepharma.com.br/institucional/almanaque-sadol/
O Almanaque Sadol 2000, distribuído pela Farmácia Santo Antônio, em 2000. Fonte: Facebook/Raimundo Carmo de Sousa
Uma das utilidades do Almanaque Fontoura: consulta às fases da lua.
Fonte: Menino-Serelepe, 2009
MONTEIRO LOBATO, URUPÊS E JECA TATU
Em 1914, Monteiro Lobato, que então explorava uma fazenda que herdara do avô, localizada no Vale do Paraíba, enviou correspondência para o jornal Estado de São Paulo reclamando dos sertanejos brasileiros e das queimadas que estes promoviam.
Os editores do jornal, percebendo a qualidade literária da missiva de Lobato, a publicaram em outro espaço do jornal, sob o título de Uma velha praga. Aqui surge o caboclo indolente e fatalista, o qual ele batiza de Jeca Tatu.
Foi tal o sucesso desse texto que Lobato escreve outro: Urupês, em que descreve o Jeca e seu modus vivendi.
Ref.: oficinafu.blogspot.com/urupês 100 anos.
Urupê: tipo de fungo parasitário chamado orelha-de-pau, que destroi a madeira (Wikipedia)
Os contos Uma velha praga, Urupês e outros mais é que deram origem ao primeiro livro de Lobato: Urupês, editado em 1918.
A partir deste livro, nasce o literato Monteiro Lobato, que vai criar, em 1925, sua própria editora: a Cia. Graphico-Editora Monteiro Lobato, uma editora moderna, com maquinários de última geração.
Essa capa original, de 1918, ilustrada por José Wasth Rodrigues, representa um mata-pau, parasita de árvores e tema de um dos contos
Uma conferência de Ruy Barbosa no Teatro Lírico do Rio de Janeiro durante sua campanha presidencial de 1919, em que citou o livro de Lobato, contribuiu para aumentar as vendas.
Essa conferência intitulou-se “A Questão Social e Política no Brasil” e começou com a frase:
Edição em separata do Jeca Tatu, ilustrada pela figura de Ruy Barbosa. Imprensa Carvalho, Bahia, 1919
É curiosa a carreira do personagem Jeca Tatu.
Em cartas datadas de 1912 e 1914, Lobato confessou ao amigo e tradutor Godofredo Rangel (mineiro de Três Corações) que pensava num personagem — "um caboclo da terra"... "genuinamente nacional" — que se comportava como "um piolho da terra, uma praga da terra”, fazendo, com sua ignorância, uma "obra de pilhagem e depredação" — caçando animais, queimando campos, derrubando árvores.
Pois bem, foi esse personagem — que vai se tornar o icônico Jeca Tatu — que Lobato leva, inicialmente, para um artigo de jornal (1914) e depois para seu livro Urupês (1918).
Mas em 1920, o próprio Monteiro Lobato vai promover a redenção do Jeca Tatu, recriando-o no personagem Jeca Tatuzinho — que aparece num almanaque por ele idealizado e confeccionado — e que foi dado à publicidade por seu amigo Cândido Fontoura, visando a promover produtos do laboratório Fontoura Serpe & Cia, em especial do Biotônico.
Essa tiragem foi de cinquenta mil exemplares.
A tiragem do Almanaque Fontoura (como se tornou conhecido) foi crescendo a ponto de entre as décadas de 1930 a 1970 terem sido distribuídos entre dois e meio a três milhões de almanaques.
Editado sucessivamente, esse almanaque chegaria a 100 milhões de exemplares no centenário de nascimento do escritor (1982). (Wikipedia)
Considerada a peça publicitária de maior sucesso na história da propaganda brasileira, inspiraria, naquele ano de 1982, a criação do Prêmio Jeca Tatu. Instituído pela agência CBBA - Castelo Branco e Associados, representou uma homenagem "à obra-prima da comunicação persuasiva de caráter educativo, plenamente enquadrada na missão social agregada ao marketing e à propaganda".
(Fonte:https://monteirolobato.com/miscelanea/jeca-tatuzinho/)
O fraco e desacorçoado Jeca transforma-se num homem ativo e operoso, após tomar ANKILOSTOMINA (vermífugo que combatia o amarelão) e BIOTÔNICO (suplemento mineral).
Em 1924, Jeca Tatuzinho, por meio de um livro do mesmo nome, vai ensinar noções de higiene e saneamento às crianças.
Numa linguagem fácil, por meio de ilustrações, Lobato logrou comunicar-se com crianças e adultos, passando orientações sanitárias e de saúde à população.
Em meio a uma campanha de combate à verminose, essa breve e divertida fábula sobre o progresso, a saga do homem do campo brasileiro vencendo os males da opilação [ancilostomíase ou amarelão], chamou a atenção e conquistou a simpatia de milhões de leitores. (GOMES, Mario Luiz, 2005)
Editado pela Cia. Graphico-Editora Monteiro Lobato. São Paulo, 1924, com ilustrações do alemão Kurt Wiese
Fonte: monteirolobato.com
Américo Werneck, após o embate judicial com o Governo de Minas (Minas x Werneck), se desligou de Águas Virtuosas de Lambary e passou a se dedicar aos seus escritos (veja aqui: As obras literárias de Américo Werneck).
Nessa fase de sua vida, Werneck escreveu livros e artigos para jornais e revistas, geralmente sobre questões nacionais — política, economia, finanças, saúde pública —, como também se interessou pela pesquisa dos fenômenos espíritas (Veja aqui: Os livros espíritas de Werneck).
Correio da Manhã, 10, nov, 1921
Pois bem, no livro Tarifas e Finanças, de 1919, Werneck faz alusão ao personagem Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato em 1918, como visto acima.
Ele assim se refere a Lobato:"estudo individual de illustre escriptor", mostrando que se achava em dia também com questões literárias.
Esse texto de Werneck, escrito antes da "redenção do personagem" promovida por Lobato em 1920, defende o sertanejo atrazado, argumentando que os nossos matutos não eram figuras de desprezo, como a imprensa vinha generalizando.
Confira:
PARA SABER MAIS SOBRE ALMANAQUES