Que é certo? ... Que é errado?...
Extraído da Coletânea TEXTOPr@tico
Número 3
O conceito de certo-e-errado – que tem caracterizado a velha gramática normativa – foi substituído aqui pelo conceito de corrente. O que seja corrente na linguagem dos bem-falantes, ou na prática dos literatos
consagrados, afigura-se-nos mais aceitável do que tudo quanto a caturrice dos gramáticos recomende, em que pese a sua incontestável autoridade filológica.
(Cândido Jucá (filho). Dicionário Escolar das Dificuldades da Língua Portuguesa)
A própria língua, como ser vivo que é, decidirá o que lhe importa assimilar ou recusar. A língua mastiga e joga fora inúmeros arranjos de frases e vocábulos.
Outros, ela absorve e integra ao seu modo de ser.
(Vergílio Ferreira. Em defesa da língua)
(...) no se aprende en Gramáticas y Dicionarios, sino en el decir de la gente
(Ortega Y Gasset)
Eu não chegaria a afirmar que é certo, pois não me agradam camisas-de-força em termos de linguagem.
(Maria Tereza Piacentini - Autora da Coluna "Não tropece na língua")
A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica.
A contribuição milionária de todos os erros.
(Osvald de Andrade. Falação, Poesias Reunidas)
Certa é a forma linguística aceita e consagrada pela língua corrente
(a linguagem usada comumente pela camada instruída) depois de fixada
pelo uso da língua literária contemporânea.
(Antônio de Abreu Rocha. Gramática e Linguagem)
Erro é o que destoa da tradição, dos hábitos linguísticos de uma comunidade;
acerto é o que afina com tais hábitos, o que se liga com uma tradição e a continua.
(Gladstone Chaves de Melo. Iniciação à Filologia e à Linguística Portuguesa)
Podem chamar-me de antiquado, mas ainda sou daqueles que acreditam
que, em língua, não existe erro.
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Ainda prospera entre nós uma gramática prescritiva que, a meu ver, pouco ou nada acrescenta
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O fenômeno da gramática prescritiva surgiu na Renascença, quando se tratava de criar uma expressão escrita para os idiomas nacionais europeus. Hoje, acredito, ela subsiste por conta de excrescências pedagógicas como o vestibular e também porque é mais fácil “regulas defaecare” do que ensinar a refletir sobre a língua. Caberia aqui toda uma discussão sobre o poder.
(Hélio Schwartsman. Editorialista da Folha de São Paulo, Uma Questão Subjuntiva)
A questão dos cânones gramaticais é um ponto jamais pacificado em linguagem e está sempre a se (re)apresentar aos estudantes da língua:
— a gramática é a exposição dos fatos da língua, ou seja, uma descrição de como está sendo usada em determinada época de sua história; ou
— a gramática é a prescrição de como a língua tem de ser usada e constitui regramento normativo obrigatório para seu uso?
Nas correntes linguísticas atuais, a ideia de uma gramática regradora do uso da língua foi abandonada. Hoje se afirma que a gramática não pode ser normativa: não é norma para a língua de ninguém; pelo contrário, a língua é que é a sua própria norma (Jucá, filho).
O mesmo Jucá (filho) é categórico:
As estatísticas, hoje, baseiam as afirmações linguísticas. O conceito de certo e errado já não decorre de imposições da gramática escolar, e não tem cabimento uma gramática normativa. Os fatos recomendam-se de um modo ou de outro, conforme as indicações estatísticas. (...) Correto é o que seja corrente. A língua é a norma da gramática.
Vejamos o pensamento de outros especialistas, para prosseguir. O filólogo Antenor Nascentes afirma que
Gramática é a disciplina que, examinando os fatos da linguagem segundo o uso da classe culta, deles extrai normas.
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O gramático observa os fatos da língua e depois deduz as normas.
Não inventa regras a que os fatos devam subordinar-se. Eles é que se submetem aos fatos.
Na mesma linha, Silveira Bueno ensina:
de toda (...) vida real da língua falada e escrita cuida a gramática, codificando e sistematizando as regras pelas quais se regem esses fenômenos, tirando-os da observação concreta e diária da linguagem e jamais concluindo teoricamente, a priori, sem o absoluto e indispensável apoio dos fatos práticos do idioma.
Como se vê nas lições desses dois importantes professores brasileiros, a normatização gramatical é uma sistematização a posteriori dos fatos da língua em uso, ou como diz Marcos Bagno: a gramática normativa é decorrência da língua, é subordinada a ela, dependente dela.
Daí poder dizer-se modernamente
a gramática é método de observação, de natureza estatística, que capta os fatos da língua e por indução sistematiza as regras do seu funcionamento em determinada época.
Nessa visão, a tradição gramatical fossilizada do certo/errado não pode também prevalecer, pois
a norma linguística não é apriorística, mas consuetudinária. (...) Certo é o que está em harmonia com os usos de determinada situação linguística; errado é o que destoa da tradição ou dos hábitos de determinado tipo de linguagem. (Gladstone C. de Melo)
Para ilustrar e sintetizar o nosso pensamento exposto neste artigo, vejamos um pequeno, mas valioso exemplo de Celso Pedro Luft, que a um só tempo toca a questão da gramática normativa ou descritiva, o método de corrente de uso e o problema do certo/errado em língua portuguesa.
Respondendo a pergunta de um leitor sobre a obrigatoriedade ou não do uso da vírgula antes de etc., à frente da posição firme da Gramática de Napoleão Mendes de Almeida que reza que só raras vezes se emprega vírgula antes do etc., pois essa locução encerra a conjunção "e" [...], o professor Celso Luft, numa coluna de jornal de Porto Alegre, ensinou:
Meu amigo, não temos aí problema de certo/errado, e sim questão de uso: tanto se usa como não se usa vírgula. O usual (a gente sabe, de ler) é vírgula antes do etc. O resto é questiúncula de gramáticos; gramatiquice.
O citado “raras vezes se emprega vírgula antes do etc.” numa gramática normativa naturalmente significa “raras vezes se DEVE empregar." Mais útil e confiável seria a Gramática se fosse simplesmente descritiva ou expositiva (algumas têm esse título, sem sê-lo) e o “raras vezes se emprega” correspondesse a uma constatação de FATO ou USO: o levantamento estatístico mostra presença/ausência de vírgula em proporções de tanto por cento.
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Percorri cerca de 100 páginas de um punhado de livros [dos melhores autores brasileiros modernos], verificando o uso/não uso de vírgula antes do etc.(...) RESULTADO: 115 etc. com vírgula versus 14 etc. sem vírgula.
Diante desses dados, sim, podemos INFORMAR que “só raras vezes ocorre etc. sem vírgula”.
Que lição!... Equilibrada, sábia e atual - para ninguém botar defeito!...