Ilustração: Igreja antiga de N. S. Aparecida, em Aparecida do Norte
No Menino-Serelepe (1), conto a história de minha primeira viagem à Aparecida do Norte, de trem, na companhia de minha mãe, minha Vó Cema, mais tia Sara, Tio Tião Vila Nova e seus filhos - Miguel e Maria.
Logo após descrever a viagem de trem, cuja história já postei aqui (O trem de Aguinhas), eu narro, em alguns parágrafos, como foi nossa estada na cidade.
Eis o texto:
“H-o-t-e-l dos R-o-m-e-i-r-o-s”, soletrei. — Que é romeiro, vó? E nós entramos, nos banhamos, trocamos a vestimenta toda suja de fuligem da maria-fumaça pela roupa-de-ver-Deus, comemos qualquer coisa e fomos fazer o que a vó explicou que romeiro faz, quando vai a Aparecida do Norte. De primeiro, reza na igreja velha; de segundo, reza na igreja nova; depois, mais exercício de fé: sala dos milagres, ex-votos, museu de Nossa Senhora. E todos esses lugares estavam sempre atopetados de fiéis. E anda, anda, sobe, desce.
— Tô cum fome, a gente reclamou. (Vai na rua do Zé Gomes, pega um homem e come! iam dizer na Vila Nova.) Mas, comer ali, na hora, não era problema, que o tio Tião era cozinheiro tarimbado e já tinha aprontado sortido farnel. Sentamos à sombra das mangueiras, que por esse tempo já havia em torno da eterna catedral em construção e nos fartamos, comendo à riviria, que a comida estava de lamber os beiços.
No outro dia, conseguimos uma folga da rezação e fomos a um parque de diversões, levados pelo tio Tião. (“Eu num tô entendendo direito essa história de homem virá gorila e mulher virá aranha. Será se tem jeito memo?”).
Por derradeiro, vó Cema varejou um retratista para tirar uma foto, daquelas que se põem num monóclinho com a tradicional pose da família reunida em frente à igreja velha, mas a tia disse: a mãe tá com o compradô aceso. Já gastô uma dinherama com lembrancinha pros neto. E agora isso! Retratinho colorido?! Isso é dinheiro malimpregado, mãe! E vó respondeu: Sarinha, cê ‘tá parecendo a Zezé e o Pedrinho, que só pensa em juntá e juntá. Ara, a gente não tem um burrego que caga denário, meus cobre tá contadinho, mas dá pra isso tamém. E onde já se viu, Sarinha, vim à Capela e não batê foto? Gente pobre só faz isso uma vez na vida e outra na morte! Vamos tirar sim!
A foto do monóclinho se foi, mas ficou esta que vai abaixo, tirada anos depois:
(1) 1968: Família Gentil Lobo: Iracema Gentil Lobo, filhos e netos. Minha mãe, Léia/Mário, Elisa/Messias e filhos desses e de tio meu Rubens Lobo, que não está na foto. Eu sou o último em pé, à direita
Mas não há quem vá à Capela e não tire a foto tradicional. Eis uma pequena coletânea de fotos de romeiros em Aparecida - alguns familiares meus e de minha mulher, e outras conhecidas famílias de Lambari:
(1) Minha avó Cema, meus pais e meus tios e primos (2) Tio Rubens Lobo e Framil, seu cunhado
(1) Egído Salles e esposa, Emília Salles, e filhas (2) Dona Zuza e seu Gandula - lindos e elegantes
(1) Família Mileo (2) Família Castro - Francisco e Júlia
À riviria: À riviria: Corruptela de à revelia, com o sentido de grande quantidade, fartura, exagero, descontrole.
Atopetado: Muito cheio, abarrotado.
Capela: Nome por que os caboclos de Aguinhas costumam designar a cidade de Aparecida do Norte, SP.
Denário: Dinheiro [Italiano]..
Roupa-de-ver-Deus: Roupa domingueira. Roupa que se usa aos domingos para ir à igreja.
Varejar: Procurar, rebuscar..
(*) O livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem trata-se de uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.