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Memórias familiares e de minha terra natal
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RECORDAÇÕES DE AGUINHAS (10) - Viagens de trem

Há em mim uma saudade incurável pelas coisas de minha terra, e entre essas está o Trem de Aguinhas. Mesmo sem ter viajado muito de trem, visto que quando foi extinta a linha eu era pouco mais que um menino, mesmo assim há aqui neste espaço virtual uma série de recordações sobre aqueles tempos (aqui).

E hoje retorno ao tema de que tanto gosto, por meio de narrativas de duas pessoas amigas, que já estiveram outras vezes neste site.


Vamos lá.
O primeira nos vem do Dr. José Benedito Rodrigues, contando suas viagens de Jesuânia para Belo Horizonte, na época em que ainda era estudante de medicina na capital. O trem da R.M.V. saía de Lambari em direção a Jesuânia, depois Freitas, etc.

A narrativa está n
o livro Casa Progresso, pág. 57:

Viagens de trem à B. H.

 Na época em que fiz meu curso médico em Belo Horizonte há mais de cinquenta anos [o livro é de 1999], o meio de transporte mais fácil, para nós do Sul de Minas irmos à capital mineira, era o trem. Eu pegava o expresso da R.M.V. às 7 horas em Jesuânia [onde o autor residia, à época], na cidade de Freitas fazia baldeação para Três Corações e de lá pegava o noturno que passava por Divinópolis. A viagem durava 30 horas, quando não havia atrasos. Quase sempre íamos de leito, vagão estreito, bitota estreita, linha com muitas curvas, maquinistas apressados, sacudia e balançava tanto, que às vezes eu deitava-me de lado e acordava de costas ou de bruços. Quando o trem parava nas estações eu acordava, mas, bastava começar a andar, eu pegava novamente no sono. Acho que por causa do balanço do carro-leito, passageiros tinham sonhos libidinosos, confessados por alguns deles ao camareiro que era meu conterrâneo e há muito tempo trabalhava neste setor.
...........
José Benedito Rodrigues -  Casa Progresso - Belo Horizonte : Editora O Lutador, 1999


O trem da R.M.V. passando pela Parada Melo - anos 1960

A segunda narrativa é de minha colega Jandira Adamique trabalhou muitos anos na extinta Coletoria Federal de Lambari, e, sendo de Santa Rita do Sapucaí, fazia a viagem Lambari-Santa Rita de trem. 

A passagem está no livro Passarelas da Vida:

Gazela Assustada
 
  A viagem que fazíamos de Lambari a Santa Rita (ou vice-versa), de trem, tinha uma  parada enorme em Soledade de Minas. Eu aproveitava  para visitar meu colega de Coletoria, filho do Prefeito, naquela época. Para passar o tempo, fazíamos o “footing” na estação, com duas plataformas, onde os trens iam e vinham, de todos os lados.

Naquele dia inesquecível, fizemos tudo como de costume e eu, trajando um conjunto “duas peças”, que modelava bem o corpo, um rosa diferente, muito bonito, sapato de salto, meias. Como diziam, “ desfilei a minha elegância o tempo todo”.

Depois de muita espera, entramos no trem. Mãe ficou sentada e eu fui ao outro vagão, com certeza, ver os passageiros, andar simplesmente.

Assim que acabei de entrar naquele carro, ele se desprendeu do resto do trem e foi fazendo um percurso oposto ao de Lambari, em cujo último vagão estava minha mãe, as malas, a frasqueira, o dinheiro. Quando eu ouvi um apito do trem que ficara perto da estação, pressenti que estava de saída o que ia para Lambari e então perguntei a um senhor, para onde iria aquele vagão em que estávamos. Ele respondeu que era um  vagão com romeiros, que iria engatar num outro trem, assim que a linha estivesse desocupada com a partida do trem para Lambari... Apavorada, desci a escadinha com sacrifício, já que a saia era bem justa e batia na canela. Comecei a correr entre os trilhos, com imensa dificuldade, pois o salto e a saia não me davam condições. Tirei os sapatos, carregando-os com a mão esquerda e com a direita, levantava um pouco a saia. E fui, em desabalada corrida, rumo ao trem que ia para Lambari e onde minha mãe, aflita, me esperava. Ainda bem que naquela época eu não tinha problemas de coração... Corri...corri... e o trem começou a movimentar-se.

Muita gente na última porta, torcendo para que eu chegasse! Parecia um filme cômico...

A muito custo, consegui chegar e sentei no primeiro degrau da escada. Com a alma pela boca, cansada e assustada...  O trem foi aumentando o ritmo  e as pessoas me ajudando a subir, pois eu não tinha mais forças.  Quando consegui sentar no meu banco, olhei os pés que sangravam. Vim correndo em cima daquele carvão pontiagudo!. Não sabia se ria ou se chorava. A meia, que era bem grossa,(parece que se chamava Nondesfil) protegeu um pouco os pés, mas mesmo assim ficaram machucados.

Passado o susto, fiquei pensando como aquele pessoal que estava na estação deve ter rido de mim, porque momentos antes eu desfilava pela plataforma, como uma gazela, depois, corria, desvairada, entre os trilhos! O pior é que ninguém sabia o que eu queria e para onde eu ia, naquela coisa assustadora, que deve ter sido a minha tragédia pessoal.

Sem dúvida, foi muito engraçado para eles que, chegando a suas casas, devem ter contado o ocorrido aos familiares, sem contudo, saber o que estava se passando comigo.

Devem ter pensado que eu era uma doida varrida.!

Eu fiz a viagem descalça, fui para casa e, no dia seguinte, nem pude ir trabalhar, pois os pés machucados, não permitiram.

Afinal... o que é que eu tinha que largar minha mãe sentada e ir para o outro vagão fazer hora e ficar olhando para os outros??!!

 
Jandyra Adami - Passarela da Vida - Cenas reais da vida de uma top model dos anos 60... - Belo Horizonte : Editora Santa Edwiges, 1.992
- A antiga estação ferroviária de Freitas pode ser vista aqui
- A antiga estação ferroviária de Soledade de Minas pode ser vista aqui
- Mais um texto sobre viagem de trem de Aguinhas pode ser visto aqui

Foto de abertura: Antiga estação de Águas Virtuosas (Lambari), com alteração da placa para Aguinhas.
Foto Parada Melo: gentileza da família Vicente Raimundi.

 
Guimaguinhas
Enviado por Guimaguinhas em 16/09/2013
Alterado em 16/09/2013
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