Na foto de abertura: Dé da Farmácia, piando macuco, Serra do Mar, anos 1960.
MEMÓRIAS FAMILIARES - Meu pai e o pio das aves
No livro Menino-Serelepe*, eu conto como meu pai — o Dé da Farmácia, mateiro conhecido e respeitado por essas bandas de Minas — fez minha iniciação nas caçadas, isso lá pelos anos 1950/60:
Pai gostava de caça de espera e de pio, principalmente jacu e inhambu, que por esses tempos havia muito aqui pela região de Aguinhas. Mais tarde enveredou pelas caçadas de macucos e catetos na Serra do Mar, em Caraguatatuba, e numa dessas até o tio João foi também. Assim foi que o pai me ensinou a atirar, cuidar da espingarda, preparar cartucho, conhecer as fruteiras, fazer choça, caminhar no mato, fazer picadas, marcar trilhas, encontrar água, evitar cobras, catar sementes, essas coisas do ramo. E devagar fui aprendendo, acompanhando o pai, atento às lições. E ele apontava pros companheiros aquele projeto de caçador deste tamaninho, menor do que a espingarda, e, vaidoso, remedava a moda caipira: Conosco ninguém podemos! Não repare na estatura, se ele puxar ao pai, a chumbada é segura.
Mas piar inhambu era difícil, ensaiei, ensaiei, mas não aprendi direito, mas gostava de escutar o pio do pai e a resposta do passarinhão, ressoando pelas matas da Serra das Águas Virtuosas:
Priiiiiiiii...priiiiiii....priiiiiiii....priiiiiiiii....priiiiiiii...priii...priii... priii...priii...priii...priii...priiii...priii...
A seguir, descrevo um incidente que de pronto me fez desistir das caçadas e tomar gosto pelas pescarias, levado pelos meus tios Messias e Rubens Lobo.
Antes da proibição da caça esportiva, meados dos anos 1960, em nossa região, meu pai caçava por toda a parte: Pedra Preta, Carquera, Pinhal, Alto da Serra. Fora daqui, perambulou atrás de macucos na Serra do Mar (Caraguatatuba e Paraty) e pela região Oeste do Paraná (proximidades de Foz do Iguaçu).
Mas não se pense que o prazer de meu pai era principalmente abater as aves, muito mais do que isso ele gostava da quietação e tranquilidade das matas, dos cantos e pios das pássaros. De fato, ele aprendeu a usar os pios como poucos e possuía uma bela coleção deles, e passava horas acocorado nas árvores ou sentado nas choças, piando pacientemente e esperando para ouvir as respostas das aves
Fotos
(1) Expedito e Helinho, na Pedra Preta, Lambari, em 1955. (2) Dé, em Caraguatuba, anos 1960
Dé e Digo, no rancho em Caraguatatuba, anos 1960
Caraguá, anos 1960: Na frente: Toninho. Ao centro: Expedito, seu Bié, Zé Vicente, João André, Josué. Ao fundo: Vicente, Miquéias e Dé.
Consciência ecológica
Essas são lembranças de um outro contexto histórico, de uma época em que a caça esportiva era legal, no País. Atualmente, encontra-se proibida. Confira a Legislação de proteção à faúna.
Com a extinção da caça e a conscientização ecológica, as últimas gerações de brasileiros já não praticaram a caça esportiva ou a apanha de espécies da fauna silvestre, passando a ter outra relação com aves e pássaros. Veja este belo exemplo (aqui)
Conheça as principais aves referidas neste texto:
- Veja fotos e ouça sons de macucos
- Veja fotos e ouça sons de inhambu
- Veja fotos e ouça sons do jacu
- Veja fotos e ouça sons de pombas
Veja os pios que eram utilizados, e que ainda são produzidos, mas para outras finalidades, como estas:
[Nos dias de hoje, os pios são usados pelos ] (...) observadores de aves e fotógrafos da natureza, percussionistas e sonoplastas de todo o mundo, colecionadores, também como brindes vips (surveniers), brinquedos ecológicos, instrumentos terapêuticos ( Musicoterapia ) e até usados por biólogos (ornitólogos) na localização de espécies nos levantamentos de áreas.
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Vocabulário de Aguinhas
Choça: Cabana feita de ramos.
Picada: Atalho feito na mata com facão ou foice
Trilha: Rasto ou vestígio que uma pessoa ou animal deixa no lugar por onde passa.
Este post é também uma homenagem aos companheiros de meu pai - alguns deles nas fotos acima - que sempre comentam (comentavam) comigo as saudades desses tempos e, especialmente, do "Dé da Farmácia", que nos deixou muito cedo, em 1980, aos 49 anos de idade.
Referências: Wikiaves; Pios Maurílio Coelho; blog Ademir Carosia.
(*) Esta narrativa faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.