Ilustração: Eu e a bicicleta Patavium, num desfile de Sete de Setembro, anos 1960
MEMÓRIAS FAMILIARES - O MENINO DA BICLETA
Apresentação
Durante toda a meninice me acompanhou uma velha Patavium, a primeira e única bicicleta comprada por meu pai, e que durou até acabar...
No livro Menino-Serelepe (*), anotei diversas passagens dessa inseparável companheira:
[Um dia, meu pai] comprou a Patavium, reformou, pintou, pôs pra mim uma cadeirinha no guidom e botava a mãe na garupa e rumava da Vila Nova pro Pasto do Fubá, farol a dínamo ligado, metade do caminho empurrando a bicicleta morro acima, que em Minas não tem cidade sem ladeira. E o pai, orgulhoso da bicicleta nova, no dia de saco vinha sorridente com as compras da semana amarradas na garupa...
[No Pasto do Fubá, com 7 anos, eu aprendi a]: andar de Patavium, enganchado de lado, por sob o quadro, que as pernas eram curtas.
[Num desfile de Sete de Setembro]: E não deu outra: na hora da saída vi que o pneu traseiro da Patavium havia furado. O que fazer? Outro vexame: participei de todo o desfile empurrando aquele estrupício de bicicleta, que montar não podia, enquanto os demais alunos, em bicicletas apropriadas para crianças, desfilavam garbosos, sobranceiros...
[Eu e Evandro Bacha atrás das meninas veranistas do Hotel Rezende]: pois que [elas] costumavam fazer longos passeios a cavalo pelos arredores de Aguinhas e eu e o Evandro, corda e caçamba, pedalando atrás, ele na Philips da farmácia, eu na velha Patavium imortal.
Essas bicicletas [Philips/Patavium] eram daquelas que não estavam no gibi, porém, com tanto uso, em três tempos ficavam em pandarecos. E, como eram instrumentos vitais para a minha sobrevivência e a do Evandro, baixavam à oficina — que montamos na despensa da casa da dona Catarina — onde recebiam cuidados especiais: eram lavadas, engraxadas, enfeitadas e mais: vez ou outra eram completamente desmontadas e pintadas por nós mesmos, com bomba de Flit e tinta a óleo diluída com aguarrás. E assim recebiam cores diferentes, desenhos, frisos, decalques, muqueiras, selins, espelhinhos retrovisores, fitilhas nas raias e outros enfeites que comprávamos na bicicletaria do seu Zezinho Ferreira. Mais à frente, o Evandro acabou ganhando uma Monark pneu balão. A velha Patavium sueca durou até acabar, mas aí eu já não mais andava de bicicleta.
Ditinho Mendes na velha Philips da Farmácia, usada pelo Evandro Bacha
[Eu e Evandro Bacha] Trepados na imbatível dupla Philips/Patavium, andávamos por meia Aguinhas à cata de maços de cigarros e caixas de fósforos.
Eu estava ajudando e aprendendo na farmácia, quando o tio João disse: — Pega a Patavium do seu pai e vamos me ajudar num caso lá da Vila Nova. Trepei na magrela e acompanhei o tio João que seguia à frente levando uma caixinha de primeiros socorros e a seringa de injeção.
A indestrutível bicleta Patavium
As fotos abaixo são de uma antiga bicicleta Patavium, ano 1956, à venda no site OLX
Reprodução: Patavium, ano 1956, site OLX
O menino da bicicleta será o GUIMA, o menino-serelepe?
Há um vídeo histórico da TV Tupi, disponível aqui, com lances da visita da Seleção Brasileira de Futebol a Lambari, em 1966.
Neste vídeo, aparece um menino pedalando uma velha bicleta de adulto, quando de uma corrida dos jogadores na Volta do Lago.
Veja:
Pois bem, provavelmente o menino de bicicleta é o Guima (GUIMAGUINHAS, o autor deste site), pois, conforme está narrado em seu livro de memórias (MENINO-SERELEPE), ele, então com 12 anos, acompanhou o dia a dia da Seleção em 1966, e não se separava da bicicleta marca Patavium do seu pai.
- Veja o post A Seleção em Aguinhas disponível aqui
Vocabulário de Aguinhas [*]- Corda e caçamba: Expressão que designa as pessoas que fazem tudo juntas. Refere-se à corda e à vasilha com que se tira água do poço.
- Dia de saco: Dia de sábado. [Costume do interior: Dia de sair da venda com o saco de compras da semana.]
- Em pandarecos: Em pedaços, destruído, acabado.
- Em três tempos: rapidamente
- Estrupício: Coisa esquisita, despropositada, fora do comum. Estrovenga.
- Magrela: bicicleta [gíria)
- Não estar no gibi: Ser fora do comum, ser inacreditável.
[*] Conheça a Série VOCABULÁRIO DE AGUINHAS - aqui
Referência (*) O livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, trata-se de uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda