Aguinhas, numa tarde do começo de agosto de 1963
ERAM DUAS HORAS DA TARDE quando o ônibus chegou ao centro de Aguinhas e parou na agência da Evanil. Dele apeou um homem alto, com mala e pasta de mão, que tratou de ajeitar bem o capote e o cachecol para enfrentar o vento gelado que subia pela rua assoviando e varrendo folhas e ciscos. Desse modo seguiu até chegar a uma farmácia bastante antiga e acreditada, bem posta na esquina da Rua Direita; quando chegou, a ventania já amainara. Ao entrar, deparou-se com um menino conduzindo um carrinho de madeira rústico, todo pintado de branco, a não ser na parte da frente, onde se podia ler na tábua de pinho o nome:
Dentro do carrinho, uma lata vazia de tinta Sherwin-Williams com lixo; um velho balde de aço estanhado com a marca ABI, com água pela metade; um recipiente de água sanitária; uma garrafa de cerveja, à qual fora colada uma etiqueta: Álcool; e uma pequena garrafa de guaraná em que se lia: Solução Ácido Fênico – Cuidado! Pendurados nos varais do veículo, de um lado, três panos, um para cada tipo de limpeza; de outro, vassouras e espanadores.
– Bonito carro, garoto, disse o homem. – Eu é que fiz, respondeu orgulhoso o pequeno. E certamente isso era verdade, que o manufator aprendiz deixara sinais de martelo, serrote, grosa a revelar um menino esperto, mas ainda inexperiente nas artes da marcenaria. Claramente era melhor na arte da limpeza, dado que o chão de ladrilhos surrados estava brilhando, as prateleiras espanadas, os vidros dos balcões impecáveis.
– Você fez bom uso da caixa de TONIFORTIN. Coisa rara! Difícil de se ver hoje em dia! – disse o homem. – Meu pai trabalhou com esse artigo, há muitos, muitos anos – falou.
– E a limpeza? – perguntou em seguida – Água sanitária no chão, álcool nas vitrines e ácido fênico na assepsia, não é?
– Isso mesmo! Como o senhor sabe?
– Eu também já fui menino-aprendiz de farmácia. Faz muito tempo. Depois virei farmacêutico. E você, vai ser farmacêutico também?
– Não, meu pai não pode pagar a escola. Eu vou ser “farmaceiro”, como ele.
– “Farmaceiro”?
– É... uma mistura de caixeiro com prático de farmácia. E emendou: – O senhor é farmacêutico ou viajante?
– Os dois, quer dizer, um farmacêutico que viaja propagandeando e vendendo produtos farmacêuticos – respondeu.
– Ah, como o dr. Paulo, da Rhodia. Espere um minuto que vou chamar meu tio, que é quem faz as compras – disse sorrindo. – Por favor, faça isso. Diga que é Oliveros Lião, do LABORATÓRIO LIONÊS, do Rio de Janeiro.
E o pirralho saiu zunindo farmácia adentro.
E enquanto esperava, o viajante viu algumas pessoas próximas ao balcão, também aguardando atendimento, e passou a examinar atentamente as instalações antigas, pintadas de branco: altas prateleiras com medicamentos, balcões envidraçados com perfumarias, armários chaveados com joias, relógios e bijuterias, cartazes de propaganda, o relógio cuco, a balança Filizola. E, então, sentiu-se novamente o jovenzinho que cresceu dentro do estabelecimento do pai, na cidadezinha do interior nos anos 1930/40, e num átimo viu passar diante dos olhos o filme de sua vida...