Ilustração: Toca da Onça. Serra das Águas. Lambari, MG. Reprodução (frame). Fonte: YouTube (aqui)
RECORDAÇÕES DE AGUINHAS
Na Toca da Onça
SUMÁRIO
- Apresentação
- Na Toca da Onça
- Vídeos
- Trecho do livro Menino-Serelepe
- Fotos
- Vocabulário de Aguinhas
- Referências
- O livro Menino-SerelepeAPRESENTAÇÃO
No livro MENINO-SERELEPE, capítulo XIV – Menino mordido de serelepe, falo da minha primeira grande aventura com minha família:— uma visita à Toca da Onça, um conhecido passeio aqui de nossa cidade.
Parte dessa história em já narrei aqui:
Hoje conto a segunda e última parte.
Vamos lá.
NA TOCA DA ONÇA
...me deparei com o tamanho da pedra, uma lascona escomunal encravada no barranco, num meio de mato fechado como eu nunca imaginei que fosse (...)
TRECHO DO LIVRO MENINO-SERELEPE
Situada na Serra das Águas Virtuosas, em Lambari, a Toca da Onça é uma gigantesca pedra de cerca de 20 metros de altura, encravada num barranco, formando uma espécie de toca. Além dessa pedra, há outras menores, e um veio de água cristalina pode ser encontrado a alguns metros do local.
Em meio a floresta, com a fauna ainda preservada, o local é bastante utilizado para piqueniques, acampamentos e avistamento de macacos, aves, pequenos animais.
Entrada da Toca da Onça. Serra das Águas. Lambari, MG. Reprodução. guiadecachoeiras.com.br (aqui)
Toca da onça
VídeosConfira estes vídeos do YouTube:
- Acampamento na Serra - aqui
- Onça na Serra das Águas - aqui
Trecho do livro Menino-SerelepeCap. XIV – Menino mordido de serelepe
Guima (Menino-Serelepe), aos 6 anos.
Pois bem, agora o trecho em que conto meu primeiro passeio à Toca da Onça...
Quando batemos na Toca da Onça, que me deparei com o tamanho da pedra, uma lascona escomunal encravada no barranco, num meio de mato fechado como eu nunca imaginei que fosse e vi o pai entrando debaixo dela, me afastei gritando:
— Pai, sai daí! Sai daí, pai, que a pedra vai cair em cima! Sai, pai!
E foi uma engenharia me convencer a entrar e a ficar debaixo da pedra. Mas como as outras crianças foram entrando, desconfiado, entrei também e logo me acostumei e comecei a correria por debaixo da pedra, e a me espojar e virar cambotas pela areia do chão.
Tio Messias levou a gente pra ver o carreiro de paca e, numa nascente, que corria logo abaixo, encheu as vasilhas de água e nos deu de beber com o coité. Em seguida, foi colher umas trepadeiras de flores roxas e brancas, presentes pra tia Elisa. Pai explicou que a gritaria que se ouvia nos grotões abaixo da Toca eram os bandos de sauás em disputa de frutas, folhas e fêmeas. Depois, numa vistosa caneleira retrançada de cipós e parasitas, balançou num galho e mãe zangou:
— Desce daí, Dé, senão o Guima, num minuto, vai ‘stá fazendo a mema coisa.
Mais logo a parentada sentou, ajeitou trempe de fogão, fizeram fogueira, quentaram almoço e todomundo subiu pra almoçar sobre uma pedra redonda existente no centro da toca. E tocamos a comer sem parar — era talhada de melancia, era farofa entupideira, era naco de galinha — e o tio Mário a zangar com a gente:
— Cês pensa que o mundo vai acabá hoje! Olha os modo, pára com a esganação, criançada!
E, amolante, meio palmatória do mundo, cutucava a parentada:
— Pelo jeito, cês num anda educando nem tratando direito desse povinho em casa... Se botá um temperinho, até grampo de cerca essas pestinha come!
Ilustração do livro Menino-Serelepe:
Guima, Serra das Águas e a mordida do serelepe
E eu também me sentara na pedra, vista atenta, remirando pra cima pra conferir a altura da laje gigantesca que pendia sobre nós, vasculhando o lugar, fazendo o reconhecimento, que é assim que caçador faz, Pai Véio vivia explicando pra mim.
Lá pelas tantas, mãe dá um grito:
— Cadê o Guima?
Procura que procura e nem sombra do Guima, que o menino sorveteu... Uns minutos depois:
— Mãeee, mãeee!
Ela olhou e eu ‘tava por cima do colosso de pedra, debruçado na beiradinha, olhando pra baixo e bulindo com todomundo que tava dentro da toca!
— Ah, Dé, corre, pega ele, que esse menino num tem jeito!
Quando voltamos do passeio, que ficou sabendo da história do serelepe, vó Margarida foi logo augurando:
— Ih, Neli, agora mesmo é que vai ser fogo, pois os antigos diziam que curumim que serelepe morde, trepa inté em espinheiro!
FOTOS
Placa indicativa no alto da Serra das Águas
Entrada da trilha para a Toca da Onça. Serra das Águas. Lambari. MG. Reprodução. pt.wikiloc.com (aqui)
Rapaziada na pedra da Toca da Onça (anos 1920)
Caçador recostado ao pé da grande pedra da Toca da Onça (anos 1920)
Caçador na Toca da Onça (anos 1930)
José Batista Guimarães Neto, na Toca da Onça.
VOCABULÁRIO DE AGUINHAS
Cambota: Cambalhota
Coité: Cuia feita de coco ou de cabaça.
Escomunal: (=descomunal): Que tem proporções desmesuradas; colossal, gigantesco, imenso.
Esganação: Sofreguidão no comer; gula, glutonaria, voracidade
Palmatória do mundo: Pessoa metida a moralista, que censura tudo e todos
Sauá: Denominação indígena dada a certos primatas (pequenos macacos) do gênero Callicebus
Sorveter: Desaparecer como por encanto; sumir de repente.
Talhada: Porção cortada de certos corpos, especialmente de frutos grandes. Fatia. Naco
Trempe: Arco de ferro com três pés, sobre o qual se coloca a panela ao fogo; tripé.
REFERÊNCIAS
MENINO-SERELEPE (*) Esta narrativa faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.