Ilustração: Capa do Almanaque Fontoura, 1944. Reprodução. Fonte: Site Mercado Livre
No dicionário Michaelis Eletrônico está esta definição de almanaque:
A seu turno o Dicionário Aulete Digital anota:
Ao longo da história surgiram diferentes tipos de almanaques, como o administrativo, o histórico, o literário e o almanaque de farmácia.
O tema deste post é o almanaque de farmácia.
Vamos lá!
Os almaques surgiram na Europa a partir dos anos 1450. Nos séculos XVI e XVII, passaram a circular por todo o Continente, trazendo calendário, informações de astrologia, utilidades e entretenimento. (Trizotti, 2008)
Diz TRIZOTTI (2008) que:
No Brasil, somente a partir de 1821 tivemos a imprensa livre e com ela a publicação de jornais e almanaques. Os primeiros almanaques cuidavam da vida administrativa das cidades (horários de trens, tabela de preços e produtos, tarifas de correio de transporte). Surgiram depois os almanaques literários e mais à frente os almanaques de farmácia. (Trizotti, 2008)
Nosso primeiro almanaque de farmácia foi O Pharol Medicinal (1887), trazendo táboa de cambios, kalendário, diversões e indicações uteis (sic).
Outros surgiram depois, como Saúde da Mulher, Bromil, Capivarol.
Contudo, o mais famoso foi o Biotônico Fontoura, que vamos comentar mais abaixo.
Sob patrocínio da Granado & Cia., em 1887 aparece no Brasil o primeiro almanaque de farmácia. Reprodução. Fonte: bn.digital.gov.br
Almanack Ilustrado Oliveira Júnior & C. 1902. Calendário, datas festivas, citações, propagandas dos produtos da empresa.Fonte: bn.digital.gov.br
Almanack Pharmacia Silva-Araujo. 1913. Calendário, horóscopo, citações, propagandas dos produtos da empresa. Fonte: bn.digital.gov.br
Outros almanaques de farmácia publicados no Brasil. Fonte: GOMES, Mário Luiz. 2005
Almanach Sul-Mineiro, 1874. Editado em Campanha. Trazia calendário, dados históricos e informações administrativas da Região do Sul de Minas, de Águas Virtuosas, inclusive. Fonte: bn.digital.gov.br
Almanach do Município da Campanha, 1900. Trazia calendário, dados históricos e informações administrativas da Campanha e seus distritos, inclusive Águas Virtuosas de Lambary. Fonte: bn.digital.gov.br
ALMANAQUES NA FARMÁCIA SANTO ANTÔNIO
No Brasil das décadas de 1920/80s, almanaques de farmácia eram famosos e disputadíssimos — e distribuídos gratuitamente à clientela.
No livro MENINO-SERELEPE, conto que dos meus 12 até 15 anos trabalhei na Farmácia Santo Antônio.
Pois bem, recordo que nesse período distribuí muitos desses almanaques.
Dentre eles, o Renascim, o Sadol, o Fontoura:
Fonte: https://catarinensepharma.com.br/institucional/almanaque-sadol/
O Almanaque Sadol 2000, distribuído pela Farmácia Santo Antônio, em 2000. Fonte: Facebook/Raimundo Carmo de Sousa
Uma das utilidades do Almanaque Fontoura: consulta às fases da lua.
Fonte: Menino-Serelepe, 2009
MONTEIRO LOBATO, URUPÊS E JECA TATU
Em 1914, Monteiro Lobato, que então explorava uma fazenda que herdara do avô, localizada no Vale do Paraíba, enviou correspondência para o jornal Estado de São Paulo reclamando dos sertanejos brasileiros e das queimadas que estes promoviam.
Os editores do jornal, percebendo a qualidade literária da missiva de Lobato, a publicaram em outro espaço do jornal, sob o título de Uma velha praga. Aqui surge o caboclo indolente e fatalista, o qual ele batiza de Jeca Tatu.
Foi tal o sucesso desse texto que Lobato escreve outro: Urupês, em que descreve o Jeca e seu modus vivendi.
Ref.: oficinafu.blogspot.com/urupês 100 anos.
Urupê: tipo de fungo parasitário chamado orelha-de-pau, que destroi a madeira (Wikipedia)
Os contos Uma velha praga, Urupês e outros mais é que deram origem ao primeiro livro de Lobato: Urupês, editado em 1918.
A partir deste livro, nasce o literato Monteiro Lobato, que vai criar, em 1925, sua própria editora: a Cia. Graphico-Editora Monteiro Lobato, uma editora moderna, com maquinários de última geração.
Essa capa original, de 1918, ilustrada por José Wasth Rodrigues, representa um mata-pau, parasita de árvores e tema de um dos contos
Uma conferência de Ruy Barbosa no Teatro Lírico do Rio de Janeiro durante sua campanha presidencial de 1919, em que citou o livro de Lobato, contribuiu para aumentar as vendas.
Essa conferência intitulou-se “A Questão Social e Política no Brasil” e começou com a frase:
Edição em separata do Jeca Tatu, ilustrada pela figura de Ruy Barbosa. Imprensa Carvalho, Bahia, 1919
É curiosa a carreira do personagem Jeca Tatu.
Em cartas datadas de 1912 e 1914, Lobato confessou ao amigo e tradutor Godofredo Rangel (mineiro de Três Corações) que pensava num personagem — "um caboclo da terra"... "genuinamente nacional" — que se comportava como "um piolho da terra, uma praga da terra”, fazendo, com sua ignorância, uma "obra de pilhagem e depredação" — caçando animais, queimando campos, derrubando árvores.
Pois bem, foi esse personagem — que vai se tornar o icônico Jeca Tatu — que Lobato leva, inicialmente, para um artigo de jornal (1914) e depois para seu livro Urupês (1918).
Mas em 1920, o próprio Monteiro Lobato vai promover a redenção do Jeca Tatu, recriando-o no personagem Jeca Tatuzinho — que aparece num almanaque por ele idealizado e confeccionado — e que foi dado à publicidade por seu amigo Cândido Fontoura, visando a promover produtos do laboratório Fontoura Serpe & Cia, em especial do Biotônico.
Essa tiragem foi de cinquenta mil exemplares.
A tiragem do Almanaque Fontoura (como se tornou conhecido) foi crescendo a ponto de entre as décadas de 1930 a 1970 terem sido distribuídos entre dois e meio a três milhões de almanaques.
Editado sucessivamente, esse almanaque chegaria a 100 milhões de exemplares no centenário de nascimento do escritor (1982). (Wikipedia)
Considerada a peça publicitária de maior sucesso na história da propaganda brasileira, inspiraria, naquele ano de 1982, a criação do Prêmio Jeca Tatu. Instituído pela agência CBBA - Castelo Branco e Associados, representou uma homenagem "à obra-prima da comunicação persuasiva de caráter educativo, plenamente enquadrada na missão social agregada ao marketing e à propaganda".
(Fonte:https://monteirolobato.com/miscelanea/jeca-tatuzinho/)
O fraco e desacorçoado Jeca transforma-se num homem ativo e operoso, após tomar ANKILOSTOMINA (vermífugo que combatia o amarelão) e BIOTÔNICO (suplemento mineral).
Em 1924, Jeca Tatuzinho, por meio de um livro do mesmo nome, vai ensinar noções de higiene e saneamento às crianças.
Numa linguagem fácil, por meio de ilustrações, Lobato logrou comunicar-se com crianças e adultos, passando orientações sanitárias e de saúde à população.
Em meio a uma campanha de combate à verminose, essa breve e divertida fábula sobre o progresso, a saga do homem do campo brasileiro vencendo os males da opilação [ancilostomíase ou amarelão], chamou a atenção e conquistou a simpatia de milhões de leitores. (GOMES, Mario Luiz, 2005)
Editado pela Cia. Graphico-Editora Monteiro Lobato. São Paulo, 1924, com ilustrações do alemão Kurt Wiese
Fonte: monteirolobato.com
Américo Werneck, após o embate judicial com o Governo de Minas (Minas x Werneck), se desligou de Águas Virtuosas de Lambary e passou a se dedicar aos seus escritos (veja aqui: As obras literárias de Américo Werneck).
Nessa fase de sua vida, Werneck escreveu livros e artigos para jornais e revistas, geralmente sobre questões nacionais — política, economia, finanças, saúde pública —, como também se interessou pela pesquisa dos fenômenos espíritas (Veja aqui: Os livros espíritas de Werneck).
Correio da Manhã, 10, nov, 1921
Pois bem, no livro Tarifas e Finanças, de 1919, Werneck faz alusão ao personagem Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato em 1918, como visto acima.
Ele assim se refere a Lobato:"estudo individual de illustre escriptor", mostrando que se achava em dia também com questões literárias.
Esse texto de Werneck, escrito antes da "redenção do personagem" promovida por Lobato em 1920, defende o sertanejo atrazado, argumentando que os nossos matutos não eram figuras de desprezo, como a imprensa vinha generalizando.
Confira:
PARA SABER MAIS SOBRE ALMANAQUES
Ilustração: Chegada do asfalto a Lambari. 1966. Reprodução. Revista O Cruzeiro, n. 1, de 1966 (bn.digital.gov.br)
Comos vimos nas Partes n. 1, 2 e 3 desta Série Os caminhos e estradas para Águas Virtuosas de Lambary, o acesso à Vila de Águas Virtuosas se fez, ao longo do tempo, em caminhos rústicos e primitivos, no lombo de cavalos e carruagens, e só em 1884 chegou a ferrovia.
Depois, os caminhos viraram estradas de chão, como a de Contendas a Lambari, a estrada de Lambari a Nova Baden, as estradas que fizeram a ligação das Estâncias do Sul de Minas e a estrada Caxambu-Rio de Janeiro, tudo isso até os anos 1940.
Pois bem, nesta 4a. e última parte da Série, vamos ver a era do asfalto:
Vamos lá!
O SUL DE MINAS RECLAMA ESTRADAS ASFALTADAS (1954)
Em 1954, já o péssimo estado das estradas do Sul de Minas, então referida como Estrada das Águas, trazia prejuízo às estâncias do Sul de Minas. E políticos locais se movimentavam a busca do asfaltamento.
Confira:
Diário de Notícias, 11, mar, 1954
E O ASFALTO, QUANDO VIRÁ? (anos 1960)
Nos anos 1960, tem início a campanha para asfaltamento do trecho Lambari-Cambuquira-Caxambu, visto que essa última cidade e São Lourenço já haviam conseguido estradas asfaltadas.
Em 1961, fortes chuvas haviam praticamente isolado Lambari e Cambuquira, então servidas por estradas de terra.
Reprodução. Correio da Manhã. 20, fev, 1962
Em 1962, alguns máquinas começaram a trabalhar, mas foram paralisadas, trazendo grande preocupação às estâncias acima.
Confira notícias da época:
Correio da Manhã, 20, jul, 61 Correio da Manhã, 18, mai, 62 Correio da Manhã, 26, mai, 62
Em março de 1961, o Governo de Minas reafirma o compromisso de asfaltar a Rodovia Caxambu a Lambari.
Em agosto de 1961, o DER/MG publica edital para pavimentação do trecho Campanha-Cambuquira-Lambari (entrocamento da BR 32).
Confira:
11, mar, 1961
Edital publicado em agosto de 1961
Em 1962, as obras estavam em andamento.
Confira:
Reprodução. O Globo, 15, mar, 1962 (bn.digital.gov.br)
Em 1966, após longa e angustiante espera, o asfalto chegou a Lambari.
Confira:
Revista O Cruzeiro, n. 1, de 1966 (bn.digital.gov.br)
Revista O Cruzeiro, n. 1, de 1966 (bn.digital.gov.br)
ASFALTAMENTO TRECHO CARMO DE MINAS-JESUÂNIA-LAMBARI (1971)
Em 1971, o asfalto vai ligar Lambari a São Lourenço, em novo trajeto: Jesuânia-Carmo de Minas-São Lourenço.
Jornal do Comércio, 23, jan, 1971
RODOVIA RENATO NASCIMENTO - LAMBARI-HELIODORA-FERNÃO DIAS
A MG 456 liga Lambari à rodovia Fernão Dias em Careaçu (40 Km).
Pela Lei n. 9214/86, essa rodovia passou a ser denominada Rodovia Prefeito Renato Nascimento.
Trecho da Rodovia 456. Trevo Heliodora e Natércia Fonte: GoogleMaps
Ilustração: Capa da revista MOTOR AGE de junho de 1913. Reprodução. Fonte: babel.hathitrust.org
Comos vimos nas Partes n. 1 e 2 desta Série Os caminhos e estradas para Águas Virtuosas de Lambary, o acesso à Vila de Águas Virtuosas se fez, ao longo do tempo, por meio de picadas, trilhas, caminhos e as primeiras estradas abertas na mata virgem.
As viagens eram feitas a cavalo, carruagens ou liteiras. Só em 1884, chegou a ferrovia.
Nesta Parte n. 3, vamos examinar:
Vamos lá conferir!
O jornal A Actualidade, de Ouro Preto, edição de 5 de janeiro de 1880, publicou texto da Lei n. 2545, de 31/12/1879, que fixou a receita e despesa provincial para o exercício financeiro de 1880-1881.
Nela foi prevista verba para conserto da Estrada do Picu, mas sem prejuízo da parte compreendida entre Carmo (Silvestre Ferraz, depois Carmo de Minas) e Águas Virtuosas e Ramal do Caxambu.
O Picu fica na Serra da Mantiqueira, na região da divisa de Minas com Rio e São Paulo.
Reprodução. A Actualidade, de Ouro Preto, edição de 5 de janeiro de 1880
ESTRADA DE CONTENDAS A ÁGUAS VIRTUOSAS DE LAMBARY (1885)
Como vimos na Parte 2 desta série, desde 1884, havia uma estação ferroviária em Contendas (entre Caxambu e Conceição do Rio Verde), ramal da via férrea Minas-Rio.
Para chegar a Águas Virtuosas de Lambary, os "aquistas" desciam nessa estação de Contendas e faziam viagem até Lambari por meio de cavalos, liteiras, carruagens.
Pois bem, em 1885, este trecho da estrada Contendas x Lambari, com cerca de 6 léguas, estava em condições precárias, ocasionando prejuízos à Águas Virtuosas.
Em editorial, o Monitor Sul Mineiro, editado em Campanha (MG), reclamava ao Administrador da Província Manoel do Nascimento Machado Portella melhorias dessa estrada.
Confira abaixo este editorial, transcrito no jornal A Província de Minas, de Ouro Preto, no dia 17 de novembro de 1885:
A Província de Minas. Ouro Preto, 17, nov, 1885 (bn.digital.gov.br)
AS ESTRADAS DE ÁGUAS VIRTUOSAS NUM MAGAZINE AMERICANO (1913)
Em Junho de 1913, notícia publicada no magazine americano Revista MOTOR AGE — fundada em 1889 e editada até os dias de hoje — dava conta de que a empresa concessionária das águas de Lambari (Empresa de Águas Minerais Lambari-Cambuquira) estaria disposta a bancar parte dos custos de uma estrada rodoviária (o restante seria dividido entre os governos Federal, Estaduais e Municipais). Essa estrada permitiria o trânsito de automóveis.
Fotos. Reprodução. Família Egídio Mileo - Museu Américo Werneck
Reprodução. Foto de João Gomes D'Almeida
Por essa época (década de 1910) carros destes modelos é que circulavam por Águas Virtuosas
Veja que notícia curiosa:
Capa da Revista de 19, junho, 1913
A notícia, no canto direito inferior da página 40
Recorte da notícia
Tradução feita por Rafael e Leonardo Rafael e Leonardo Mileo Moreira Krauss Guimarães
Missão da empresa Motor Age. Fonte: Site da Motor Age
O site da revista
Edição da Revista ref. Abril de 2024
ESTUDOS PARA A CONSTRUÇÃO DA ESTRADA CAXAMBU-CAMBUQUIRA-LAMBARI (1913)
Em 1913, já estavam concluídos estudos para a construção da estrada Caxambu-Cambuquira-Lambari.
Previa-se então a construção de 3 pontes: uma sobre o Rio Verde (trecho Contendas x Lambari-Cambuquira) e duas sobre o Rio Lambari.
Meses antes, os prefeitos de Cambuquira, Lambari e Caxambu, respectivamente, Thomé Dias Brandão, Antônio Pimentel Júnior e Camillos Soares, haviam estado no Palácio do Catete para pleitear junto ao Presidente da República a construção dessa estrada.
Confira:
Reprodução. A Tribuna. 8, out, 1913 (bn.digital.gov.br)
Reprodução. Jornal do Brasil, 7, mar, 1913 (bn.digital.gov.br)
ESTRADA PARA NOVA BADEN (1913)
Em dezembro de 1913, foi concluída a estrada de automóveis de Águas Virtuosas para Nova Baden.
Confira:
Reprodução. Jornal do Brasil, 7, dez, 1913
LIGAÇÃO DAS ESTÂNCIAS DO SUL DE MINAS (1928)
Em outubro de 1928, inaugurava-se estrada ligando as estâncias de Caxambu, Contendas, Águas Virtuosas e Cambuquira.
Na solenidade, com grande festa em Águas Virtuosas, estavam Wenceslau Braz (Ex-Presidente da República e de Minas Gerais) e Mello Vianna (então, Vice-Presidente da República), Ministros de Estado, congressistas da Capital Federal e convidados de várias cidades do Sul de Minas.
Apresentaram-se a Banda da Cavalaria do Exército (Três Corações) e a do Colégio Sion (Campanha). À noite, ocorreu um baile no Cassino, com a presença de duas jazz-bands.
Confira:
O Fluminense, 31, out, 1928 (bn.digital.gov.br)
19, out, 1928
ESTUDOS PARA A LIGAÇÃO RIO-SÃO PAULO AO SUL DE MINAS (1930)
Em 1930, jornais noticiavam que a Comissaõ de Estradas de Rodagem do Governo Federal estava concluindo estudos para a ligação Rio-São Paulo para o Sul de Minas.
Confira:
Reprodução. Fonte: Diário de Notícias, 27, set, 1930 (bn.digital.gov.br)
Da divisa de MG/SP/RJ para o Sul de Minas
De Caxambu a Lambari já havia uma estrada desde 1927
Ref. P. Isabel, quando esteve em Águas Virtuosas
Fonte: A Noite 4, ago, 1930 (bn.digital.gov.br)
INAUGURAÇÃO DA ESTRADA CAXAMBU-RIO DE JANEIRO (1939)
A inauguração, em 1939 da estrada ligando o Rio de Janeiro a Caxambu veio facilitar o acesso de turistas às estâncias hidrominerais do Sul de Minas, Lambari, dentre elas.
Confira:
Reprodução. Dário de Notícias, 15, abr, 1939 (bn.digital.gov.br)
Ilustração: Trem de ferro — a Maria Fumaça. Imagem gerada por IA/CoPilot/Microsoft
Como vimos na Parte 1 desta Série (aqui), a Região do Lambari — que abrangia boa parte do território Sul-mineiro — passou a ser assim designada a partir de 1737, com a expedição de Cipriano José da Rocha, ouvidor-geral da Comarca do Rio das Mortes na Capitania de Minas Gerais, em missão oficial de reconhecimento da região Sul de Minas.
Por essa época, Cipriano mandou construir uma estrada — na verdade uma picada — que ligava o Arraial de São Cipriano (nome primitivo de Campanha) à Região do Lambari, estrada essa que alcançaria, posteriormente, o Caminho Velho (Estrada Real que ligava as regiões produtoras de ouro a São Paulo e Rio de Janeiro).
Foi nas proximidades dessa estrada construída por Cipriano que se deu a descoberta das águas virtuosas nos anos 1780/90.
Mais à frente, em 1826, a Câmara de Campanha alterou a rota dessa estrada, fazendo que passasse perto do manancial das águas.
Pois bem, na Parte 2 desta Série sobre os Os caminhos e estradas para Águas Virtuosas de Lambary, vamos ver:
Vamos lá!
DAS PROVÍNCIAS DE SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO EM BUSCA DAS ÁGUAS VIRTUOSAS
No transcorrer dos anos 1800, inúmeros visitantes oriundos das Províncias de São Paulo e Rio de Janeiro estiveram em Águas Virtuosas para fazer uso terapêutico das águas.
No tópico 8. VISITAS ILUSTRES A ÁGUAS VIRTUOSAS NO SÉCULO XIX , do e-book A FORMAÇÃO DA VILA DE ÁGUAS VIRTUOSAS (aqui), comentamos que, na década de 1850, 59 famílias com 208 pessoas, acompanhadas de 187 escravos vieram de distantes pontos do país.
Pessoas de prestígio na Corte vieram do Bananal (SP), de Barra Mansa (RJ), e também de Queluz, Areias, Silveiras (SP) e Resende, Vassouras, Valença e Piraí (RJ).
Vinham pela Estrada Real/Caminho Velho, depois pegavam a ligação Caminho Velho-Campanha e paravam na Vila de Águas Virtuosas.
Adentravam o território mineiro pela Garganta do Embaú, passagem utilizada pelos desbravadores paulistas séculos atrás.
Faziam a demorada viagem em carroças e no lombo de cavalos e mulas, com tropeiros e escravizados trazendo as tralhas da viagem.
Ilustração. Tropeiros e mulas pelos caminhos do sertão. Copilot/Microsoft
Confira no tópico 4 - O SERTÃO DO RIO VERDE - b - A Garganta do Embaú, no e-book HISTÓRIA PRIMITIVA DE ÁGUAS VIRTUOSAS DELAMBARI, disponível aqui)
Garganta do Embaú. Reprodução. Fonte: https://www.dicionariotupiguarani.com.br/dicionario/embau/
A PRINCESA ISABEL E SUA LITEIRA
Como é corrente, o surgimento e evolução das estâncias hidrominerais, no final do século XIX, contou com a simpatia e “apadrinhamento” da família imperial – e da elite ligada ao Império – pelas águas minerais e termais.
Com efeito, D. Pedro II e a Imperatriz Thereza Cristina visitaram Poços de Caldas em 1861, e a Princesa Isabel, e seu consorte o Conde D’Eu, estiveram em Águas Virtuosas de Lambary (atual Lambari) e Águas Virtuosas de Baependy (atual Caxambu), de agosto a novembro de 1868. (MILEO, 1970, p. 95; SILVA, 2012, págs. 29 e 30)
Chegada da Princesa Isabel a Águas Virtuosas, então pertencente a Campanha. Fonte: O Constitucional, Ouro Preto, MG, 3, out, 1868
Pois bem, a viagem da Corte, no Rio de Janeiro, até o Sul de Minas, se fez parte por trem (até Resende, RJ) e o restante pela Estrada Real (Caminho Velho) e o caminho que ligava a Estrada Real a Campanha/Águas Virtuosas.
Esse último trecho – de Resende até o Sul de Minas – foi feito por estradas íngremes numa liteira.
A Princesa e o Conde D'Eu se hospedaram em Campanha, mas vinham a cavalo beber as águas virtuosas e tomar banhos em Lambari.
Reprodução. Fonte: A história da Princesa Isabel: amor, liberdade e exílio, Regina Echeverria, 2014
Liteira para viagem ao interior. Pintura de Debret. Fonte: Pinterest
DE CONTENDAS A LAMBARY, A CAVALO OU DE CARRUAGEM
Desde 1884, havia uma estação ferroviária em Contendas (entre Caxambu e Conceição do Rio Verde), ramal da via férrea Minas-Rio.
Por aquela época, os aquistas (como eram chamados os que buscavam tratamento por meio das águas minerais) vinham de trem até Contendas, depois percorriam "pouco mais de 5 léguas" até Águas Virtuosas, por meio de cavalos, liteiras, troles, carruagens...
Propagandas de hotéis daquela época ofereciam tais serviços de condução até Águas Virtuosas.
Imagem: carruagem estacionada em frente de antigo hotel. Fonte: Copilot/Microsoft
Esta foto de turistas visitando a Estação de Nova Baden dá ideia do transporte de Contendas a Águas Virtuosas, a cavalo ou nas liteiras, meio de transporte comum à época. Fonte: Reprodução. Revista Fon Fon n. 18, de 1913
A primeira propaganda menciona Garção Stockler, então diretor da "empresa das águas", a excelência do clima e a melhor época para as "temporadas".
Confira a seguir:
Reprodução. Fonte: jornal O Constitucional, 19/07/1885
Reprodução. Fonte: A Província de SP, 10/04/1888
Reprodução. Fonte: O Estado de S. Paulo, 10/3/1893
A FERROVIA VAI LIGAR LAMBARY ÀS PRINCIPAIS CAPITAIS DO IMPÉRIO
A Estrada de Ferro Muzambinho chegou a Jesuânia em 1894.
Em 1o. de março, essa estação (chamada então Bias Fortes) foi inaugurada.
No dia 24 do mesmo mês a estrada de ferro chegava às Águas Virtuosas.
Desse modo, desde o final do Século XIX, nossa cidade estava ligada por via férrea às principais cidades do País: Rio de Janeiro (então Capital da República), Belo Horizonte (Capital do Estado) e São Paulo (principal cidade do País).
Nossa primeira estação foi a Parada Melo, a estação ferroviária de Águas Virtuosas foi inaugurada alguns anos depois.
Estação de Águas Virtuosas. Reprodução. Cromo da Casa Levy
Trem da Rede Mineira Viação, trecho Lambari-Cambuquira-São Gonçalo. Crédito: Foto de Caia Junqueira
Parada Mello, antes da construção do Hotel Imperial. Reprodução. Foto Loja Nogueira
Ilustração: Série paisagem. Benedito Calixto. Fonte: Wikimedia
Durante milhares de anos, as fontes das águas virtuosas minaram solitárias em meio à selva bruta.
A certo tempo, indígenas locais as conheceram...
Imagem: Copilot/Microsoft
Décadas à frente, as águas foram descobertas — e passariam a ser conhecidas por águas santas ou virtuosas!
O achado das águas foi um “acontecimento de vulto”, “uma célebre descoberta”, que chamou a “atenção popular”, trazendo benefício para a região. [1]
A partir daí, caminhos de acesso a elas vão sendo abertos...
Vamos conhecer esta história.
Abaixo, o 1a. parte.
[1] LEFORT, Mons. José do Patrocínio. A Diocese da Campanha, 1993, págs. 206 e 207
A região de Campanha do Rio Verde, descoberta pelos paulistas por volta de 1720, teve pouca divulgação até 1737, quando, em 2 de outubro, uma expedição militar sob o comando do ouvidor da Vila de São João Del Rei, Cipriano José da Rocha, veio com a incumbência de reconhecer a região, desbravar os sítios desconhecidos ao longo da bacia dos Rios Verde, Sapucaí e Palmela e tomar posse do território em nome do Rei. [2]
[2] FERREIRA DA SILVA, Edna Mara. Fronteiras ao Sul do Sertão das Minas:
Aspectos da formação da Vila da Campanha da Princesa.
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MAPA DE 1777 JÁ ASSINALA A REGIÃO DO LAMBARI
Em 1777, veio a lume o histórico Mappa da Capitania de Minas Geraes, de autoria de José Joaquim da Rocha, no qual aparecem já assinalados o Rio Lambari e a povoação de Lambari, que surgiu a margem da estrada aberta em 1737.
Esta povoação de Lambari começou a se formar a partir de 1747, muito antes da descoberta das águas virtuosas. Era composta de portugueses, baianos e paulistas, que se dedicavam ao cultivo de terras, mineração, comércio de animais, aluguel de pousos, etc. [3]
[3] LEFORT, José do Patrocínio. 8º. Anuário Eclesiástico da Diocese da Campanha. 1946
Mappa da Capitania de Minas Geraes. José Joaquim da Rocha. 1777. Reprodução. bn.digital.gov.br
[4] MILEO, José Nicolau. Subsídios para a história de Lambari. Guaratinguetá, SP : Graficávila, 1970. Pág. 12
[5] LEFORT, José do Patrocínio. 8º. Anuário Eclesiástico da Diocese da Campanha. 1946
[6] CARROZZO, João. História cronológica de Lambari. Piracicaba, SP, Ed. Shekinah, 1988
[7] MILEO, José Nicolau. Subsídios para a história de Lambari. Guaratinguetá, SP : Graficávila, 1970
MAPA EXTENSÃO CAMPANHA. Francisco Salles, 1800. Fonte: Cidade difusa. Cícero Ferraz Cruz, 2016
Aqui aparece o Rio Lambari, das nascentes até desembocar no Rio Verde
O CAMINHO DE CAMPANHA AO CAMINHO VELHO
Na expedição que comandou em 1737, o ouvidor Cipriano José da Rocha viera de São João Del Rey fazendo uso da Estrada Geral, que ligava a capital da província ao litoral fluminense, e era também conhecida por Caminho Velho.
E a estrada que Cipriano mandara abrir em 1737 fez a ligação entre esse Caminho Velho e o arraial de São Cipriano (nome primitivo de Campanha, MG), passando pela região do Lambari. [8]
[8] LEFORT, José do Patrocínio. 8º. Anuário Eclesiástico da Diocese da Campanha. 1946
Linha azul ► Provável caminho do ouvidor vindo de SJ Del Rey a Campanha
Linha vermelha ►Provável caminho ligando Campanha ao Caminho Velho (Estrada Real para São Paulo e Rio de Janeiro)
A DESCOBERTA DAS ÁGUAS VIRTUOSAS
Por volta dos anos 1780, transitando pela estrada de Campanha ao Caminho Velho, lenhadores, escravizados e tropeiros deram conta da existência das fontes de águas minerais e assim surgiu uma picada na densa mata.
Com o movimento de pessoas a busca das águas santas, logo se formaram trilhas e caminhos.
E assim 4 décadas se passaram...
Série paisagem. Benedito Calixto. Fonte: Wikimedia
A MUDANÇA DA ROTA PARA O RIO DE JANEIRO
Somente em 1826, após a divulgação da Memória sobre as águas escrita pelo médico M. da S. R. (Manoel da Silveira Rodrigues), que referiu os benefícios da água virtuosa, interna ou externamente, em certas afecções do sistema digestório e dermatoses, é que a Câmara da Vila de Campanha do Rio Verde passou a tomar providências quanto à formação do patrimônio público e medidas sanitárias para uso das águas. [9]
Uma das providências tomada pela Câmara de Campanha foi a alteração da rota da estrada para o Rio de Janeiro, fazendo-a passar próxima ao manancial das águas.
E, em 24 de janeiro de 1827, oficiou ao Visconde de Caeté (vice-presidente da Província Mineira) sugerindo diversas medidas administrativas, higiênicas e de urbanização, e fazendo um pedido para a construção de uma ermida no povoado. [10] [11]
[9] MILEO, José Nicolau. Subsídios para a história de Lambari. Guaratinguetá, SP : Graficávila, 1970
[10] CARROZZO, João. História Cronológica de Lambari - Nascida Águas Virtuosas da Campanha.
Piracicaba, SP, Ed. Shekinah, 1988, pág. 20
[11] LEFORT, Mons. José do Patrocínio. A Diocese da Campanha, 1993, págs. 206 e 207
RESUMO HISTÓRICO DA ÁGUAS VIRTUOSAS DE OUTRORA — ATUAL JESUÂNIA
Lambari (que já foi Águas Virtuosas da Campanha, Águas Virtuosas de Lambary) e Jesuânia (que já foi Lambari, Bom Jesus de Lambari, Bias Fortes, Lambarizinho) e suas históricas ligações:
Fonte: Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais.Waldemar De Almeida Barbosa,1971
FERREIRA DA SILVA, Edna Mara. Fronteiras ao Sul do Sertão das Minas: Aspectos da formação da Vila da Campanha da Princesa.
CRUZ, Cícero Ferraz. Cidade difusa: a construção do território na Vila de Campanha e seu termo, Séculos XVIII-XIX. São Paulo, 2016
CARROZZO, João. História cronológica de Lambari. Piracicaba, SP, Ed. Shekinah, 1988
MILEO, José Nicolau. Subsídios para a história de Lambari. Guaratinguetá, SP : Graficávila, 1970
CARROZZO, João. História Cronológica de Lambari - Nascida Águas Virtuosas da Campanha.
Piracicaba, SP, Ed. Shekinah, 1988, pág. 20
LEFORT, Mons. José do Patrocínio. A Diocese da Campanha, 1993, págs. 206 e 207