Meu amigo Machaddo Sobrinho (1), certa feita, me perguntou se conhecia a palavra camarinho, expressão que os avós de sua mulher usavam para designar um fenômeno atmosférico - aqueles relâmpagos breves, fugidios e constantes, que se veem ao longe, em entardeceres chuvosos ou sob ameaça de chuva.
Com o vezo de catar palavras e expressões de Aguinhas, saí a pesquisar a palavra e suas origens. Durante meses, rodopiei pela internet, pelos dicionários e enciclopédias, modernos e antigos, consultei amigos, professores de português, escritores. Nada. Naquele sentido não encontrei nenhum registro.
Mas a palavra é tão bela, tão expressiva, e designa um fenômeno tão maravilhoso, que valia a pena insistir: se não há registro dela, vamos registrá-la! - pensei. E assim fiz. Adotei a palavra do meu amigo no livro Os Curadores do Senhor, que em breve será lançado.
E contei isso ao Machaddo, pedindo a ele que revisasse o trecho e o contexto em que utilizei a "sua" palavra. E ele o fez ao seu modo - na grandiloquente e culta prosa-poética que o caracteriza.
O seu texto me inspirou, é claro, mas não podia transcrevê-lo em meu livro. Mas também não poderia deixá-lo sem publicidade; por isso, divido-o com os amigos deste espaço:
O CAMARINHO*
Machado Sobrinho
Então é isso. Nem bem fez a tarde a bainha azul-pálido, aquela peça lilás que vai se espichando horizonte afora e as nuvens alhures, cavalheirescamente, vêm chegando. Vêm chegando chegandinho aquelas nuvenzinhas desconfiadas que vão se embolando às grandonas, pardas e encardidas, sobre aquele rarefeito céu, até há pouco, escampo e longíssimo!
Tudo está quieto... desesperadamente quieto! A Ave-Maria noitibó já se esvaiu pelos ares... O relógio da matriz já gaguejou seis horas... E as nuvens continuam a chegar que só mineiro sabe chegar ensimesmado e sonso...
E a gente pega a espreguiçar os olhos, de soslaio, de espreita, ao acaso... além... e elas, as nuvens, estão ali veladas, empirreadas, quietas... O que será!?
Então é isso...
Súbito, o céu ameaçando muito, perpassa, por detrás delas, a rútila escama dos lampejos foliando em cardumes... Um rebuliço de áscuas e fagulhas, como se, ligeiro, a tarde fosse fosforejar ou se arrebentar toda.
De um segundo a outro, é instantâneo... é fogo-de-bilbode; é fogo-de-monturo; é fogo-greguês; é fogo-pulado... tudo mudo, tudo amplo e mudo; tudo ininteligivelmente taciturvo e mudo!!!
- O que será, meu Deus? Meu Deus, o que será!? É hoje que o mundo se acaba! E aí se esgueira a gigantesca silhueta de um raio, ou em meio às nuvens aflora fictícia, a agressiva barbatana de um tubarão-relâmpago... E lá no alto permanece esta peleja incomunicável e inofensiva. Faíscas, centelhas, se esparramam por tudo quanto é canto e a granel.
Prenúncio de um grande vendaval.
Dilúvio à vista... Epidemia de guarda-chuvas!
Cataratas de salto alto... Galochas para Deus!...
Mas, de um segundo a outro, é instantâneo.
Cadê as nuvens? O escarcéu? O sururu?
Um trovão, sequer, distante ronrona... trovões amordaçados...
Nem brusco um raiozinho espatifou sua carcaça de vidro na atmosfera impregnada.
.....................
Ora, que céu desapontado e vasto!...
Alheiamente anoitece como se nada houvera antes...
Nem a mais mísera gota, a mais ínfima gotinha de chuva se estatelou sobre o chão desta terra estéril e seca...
.....................
Ao longe, apenas, já raquítico, o minguante se encrua.
(*) A propósito do capítulo 25 - Um fogo que veio do céu? - do livro Os Curadores do Senhor, novela paranormal de Antônio Lobo Guimarães, ainda inédito.
(1) Veja-se um comentário sobre seu livro de poesias, neste link: http://www.guimaguinhas.prosaeverso.net/blog.php?idb=36380
A Seleção de 66 no Campo do Águas
Como se sabe, o Estádio do AVFC foi inaugurado em 1966 para receber a Seleção Brasileira de Futebol, que esteve em Lambari, preparando-se para a Copa do Mundo da Inglaterra.
Nesse campo, a seleção fez treinos físicos e jogos treinos, e alguns de seus principais jogadores deixaram impressos pés e mãos numa placa de cimento.
[Leia crônica sobre essa passagem da Seleção Brasileira por Lambari, clicando o link abaixo.] (1)
Na seguinte foto do jogo treino podem ser vistos, entre outros: Pelé, Gilmar, Rildo, Gérson e Tostão. (2)
Outros grandes times que visitaram Lambari
Com a vinda da Seleção e a divulgação da cidade, outros times importantes também fizeram pré-temporadas e jogos-treino em Lambari, entre eles o América, o Juvenil do Fluminense, o Botafogo, o Vasco e o Olaria, do Rio de Janeiro.
Eis algumas fotos desses eventos:
América (1968) - Entre eles Rosan, Alex, Almir e Edu (irmão do Zico).
O placar do jogo amistoso contra o AVFC, realizado em 1968, foi 6 X 1 para o América. Em outro amistoso, desta feita em 1988, o América voltou a vencer pelo placar de 3 X 1.
América (1988): Celso, Paulo Sérgio, Luiz Carlos, Denílson, Fábio, Antônio Carlos, Alcindo, Pilica, Renato, Elói e Marcos Paulo.
Juvenil do Fluminense, anos 1970. Na foto, entre outros, Castilho [técnico], Edinho, Pojito, Pintinho.
Vasco da Gama (anos 1991) - Em pé: Cássio, Ayupi, Missinho, Carlos Germano, Jorge Luiz e França. Agachados: Mauricinho, Luizinho, Bebeto, William e Bismark.
Botafogo (ano 1994) - Entre eles Wagner e Túlio, campeões brasileiros em 1995.
Olaria (2010): Entre eles: Diego, Rafael, Araruama, Romário e Waldir.
(1) Veja o texto A Seleção em Aguinhas
(2) Outra foto do jogo treino da Seleção Brasileira de 1966, em Lambari, pode ser vista neste link
(3) Uma outra foto desse jogo treino também pode ser vista aqui link.
Nota: Nesse link, para localizar a foto, você deverá deverá percorrer a página eletrônica até mais ou menos sua metade.
(*) Depois de Lambari, a Seleção Brasileira seguiu para Caxambu, e sobre a temporada da Seleção naquela cidade há um filme no Youtube, que pode ser visto aqui: Concentração da Seleção Brasileira em Caxambu
(**) Como se sabe, as cores e o escudo do AVFC foram inspirados no América Futebol Clube (AFC).
(***) Fonte fotos:
1: http://aguasvirtuosasfutebolclube.blogspot.com.br
2: Jornal O Globo
3 e 4: Do autor
5: Internet
Ilustração: Capa do livro O Caminho dos Homens, de Fernando de Castro (Pongetti, RJ, 1962)
O Caminho dos Homens, de Fernando de Castro, editado pela Pongetti, RJ, em 1962, trata-se de um romance cuja história se desenrola no Rio de Janeiro e em São Paulo, e boa parte dela em Lambari, MG, nas décadas de 1930/50.
Fernando de Castro escreveu peças teatrais, contos e romances. Além do acima citado, escreveu Sal da Terra [Editora Conquista, RJ, 1960], romance que recebeu boa crítica, entre elas a de Antônio Olinto, então crítico literário do jornal O Globo.
Vejamos alguns trechos de O Caminho dos Homens:
(...) patrocinar interesses - os confessáveis e os inconfessáveis - de um grupo de políticos da terra. Teria casa e comida. E liberdade para cobrar honorários profissionais. A condição única era a de só patrocinar questões dos amigos dos Cunhas.
...........
Ir para o sul de Minas, e ali fixar-se, fazendo centro de atividades profissionais na aprazível Lambari, sede de município, cabeça de comarca, e encantadora estância hidromineral. Era uma oportunidade.
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Uma nova vida começava. Outro meio, outras pessoas, preocupações diversas, novas e diferentes. O chefe político, o prefeito, o pároco, o coletor, o delegado. Tinham vindo recebê-lo na estação. Isso, esse pequeno cerimonial, fez bem à alma de Raul.
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A cidade tivera o nome romântico de Águas Virtuosas, em honra das suas águas benfazejas, remédio santo para as afecções do fígado, para os rins arruinados. E o hoteleiro o informava da campanha de grande profundidade cívica, de há alguns anos. Uma vitória dos Cunhas, que culminara com a mudança de nome da cidade para Lambari. Haviam sido dias homéricos de intensa vibração. Com os indefectíveis comícios na praça da Matriz, de polêmica com os gatos pingados dos Gamas Costa, derrotistas, sempre insatisfeitos.
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Outros trechos do livro podem ser vistos no Google Books, neste link:
Rubem Alves é mineiro de Boa Esperança e passou certo período de sua infância em Lambari, como ele narra no livro O velho que acordou menino [Editora Planeta, SP, 2005].
Na parte III, intitulada Lambari, o pedagogo, psicanalista, professor e autor de inúmeras obras (educação, teologia, crônicas, histórias, etc.) conta como foi essa fase de sua vida de menino. Diz ele, em certo trecho:
(...) Tudo era novidade. Não importava que a casa para onde mudamos fosse do tamanho de uma caixa de fósforos. O que me importava era o fato de minha casa se encontrar atrás de um Castelo Encantado. Lá estava ele, no alto da colina, enorme, fechado, misterioso. Dos pátios vazios que o circundavam, olhando-se para baixo se via um lago azul imenso, coisa que eu desconhecia porque na roça eu só conhecera ranchinhos e lagoinhas. E havia marrequinhos a nadar.
Depois de grande pensei que não havia razões objetivas para nos termos mudado para Lambari. Meu pai era agora viajante, precisava de trens, e o mais lógico teria sido Três Corações, entroncamento ferroviário. Porque ele escolheu Lambari? Acho que foi por causa do Castelo Encantado... Ele me levou a visitar o Castelo por dentro, graças à amizade que fizera com o guarda. Eram salas imensas, empoeiradas, silenciosas, escuras, os móveis cobertos com lençóis, lustres de cristal, mesas de veludos vermelhos e verdes. Tudo parecia dormir. Eu estava no Castelo da Bela Adormecida...
Mais tarde me explicaram, e com a explicação o Castelo deixou de ser Castelo. Foi-se o mistério. Virou um cassino. O assombroso desse cassino é que ele teve uma noite de glória, uma única noite de glória. Foi fechado por ordens superiores no dia seguinte ao de sua inauguração, sem explicações, e nunca mais foi aberto.
Em uma dezena de páginas, Rubem Alves fala das descobertas do menino que chegara a Lambari vindo da roça, tais como, a lâmpada elétrica e a privada, além de contar da simplicidade de sua casa e da ausência de móveis, os quais o pai improvisou de caixotes e paus de vassoura. E foi também aqui em nossa terra que o modo de chupar laranjas (de tampa ou em gomos) mostrou-lhe a diferença social entre a família de sua mãe (nobre) e a de seu pai (plebeia).
Não só por citar Lambari, e sim porque nesse livro podemos nos deliciar com a narrativa poética, repleta de lições, de sabedorias cultas e populares, de um grande contador de histórias, é que não se pode deixar de ler essas memórias de Rubens Alves. (1)
PS - Estas palavras de Rubem Alves sobre o nosso cassino:
Eram salas imensas, empoeiradas, silenciosas, escuras, os móveis cobertos com lençóis, lustres de cristal, mesas de veludos vermelhos e verdes. Tudo parecia dormir...
são tão verdadeiras, tão doídas, tão antigas... E nada mudou em décadas...
[*] Atualmente (2020), o prédio foi restaurado.
(1) Veja-se também o livro O sapo que queria ser príncipe - [Editora Planeta, SP, 2009] - memórias de adolescência e juventude de Rubens Alves.
Ilustração: José Carlos Lisboa e sua irmão Henriqueta. Rio de Janeiro, 1932. Reprodução.UMA FAMÍLIA DE POETAS E ESCRITORES
O casal João de Almeida Lisboa e Maria Rita Vilhena Lisboa, que se uniu em Lambari na última década dos anos 1800, gerou uma família pródiga em escritores e poetas de qualidade: José Carlos, Alaíde, Henriqueta... E assim também, por influência, os da geração seguinte: Ana Elisa, Edmar...
Nesse post, contamos um pedaço dessa história.
Vamos lá.
A INFLUÊNCIA DA ESTÂNCIA DE ÁGUAS VIRTUOSAS NA FORMAÇÃO DOS LISBOA
Diz Guy de Almeida:
Na origem de José Carlos Lisboa, na cidade em que nasceu, em suas circunstâncias familiares, estão a meu juízo fatores que estimularam o seu talento inato, a sua vocação para a vida intelectual. Lambari não era uma cidade comum, com rotina diária mais ou menos estática. Suas águas virtuosas atraíam, para temporadas anuais, personalidades destacadas das principais cidades do país, como até mesmo a família do presidente Getúlio Vargas. Elas traziam temas, reflexões e informações que lhe davam um certo ar metropolitano. A farmácia de João Lisboa, patriarca que exercia significativa liderança na região, era um espaço natural para o estabelecimento de relações que frequentemente se transferiram para o ambiente doméstico. [........]
[Todos os filhos do casal Lisboa, Maria Rita e João Lisboa]... realizaram em época de limitadas condições econômicas, cursos superiores que deram contorno a uma família de pedagogos, advogados, médico, alguns deles indo além para ganhar renome como escritores e políticos.
(No homem, o mestre. In José Carlos Lisboa, o mestre, o homem. Ed. UFMG, 2004)
Esses fatores, aliados certamente aos dons inatos e ao empenho individual —pois sabe-se dos esforços que fizeram para se formarem e crescerem intelectual e profissionalmente — explicaria essa família pródiga em escritores e poetas de qualidade: José Carlos, Alaíde, Henriqueta... E assim também, por influência, os da geração seguinte: Ana Elisa, Edmar...
Abaixo vamos destacar alguns passos das obras de três deles, que remetem a lembranças, pessoas e fatos — reais ou ficcionais — de nossa Lambari, e também lembrar as cadeiras que ocuparam nas academias de letras.
Família Lisboa: João de Almeida Lisboa e Maria Rita de Vilhena Lisboa ladeados pelos filhos: João, José Carlos, Alaíde, Henriqueta, Oswaldo e Pedro
Em Vicente e o outro há alusões romanceadas à cidade onde o autor nasceu e passou sua infância. Na Cumbucas romanceada, as cenas da vida na farmácia, do morro do Castelo, do laticínio, das armadilhas para passarinho são provavelmente frutos de lembranças de seus tempos de Lambari.
Veja-se, por exemplo, o seguinte trecho, em que o nome da cidade foi mudado para Cumbucas:
Nasci em casa modesta do interior, numa vila que devagar passou a cidade, muito mais pelas tramas políticas municipais do que pelo seu desenvolvimento natural, que eu mal percebia.
O prestígio de alguns coronéis plantadores de café, ou que tinham bois no pasto dos arredores e chefiavam agregados, dispondo de seus votos, esse prestígio sustentava as chapas oficiais do governo e recebia em paga ora a estradinha até a porteira de um sítio, ora um novo caminho para escoar o café e facilitar o curso das boiadas que iam à feira de Três Corações de Jesus, Maria e José do Rio Verde. Belo Horizonte, às vezes, dava a Cumbucas um pouco mais, quando a vitória nas eleições tinha sido apertada: um prédio para o Grupo Escolar, uma cadeia ou uma coletoria nova, até mesmo agência dos bancos do Estado. Depois da campanha civilista, Cumbucas subia à condição de cidade, com esse nome chocho e encurtado que mutilou seu velho batismo, tão mais bonito e sonoro, de Vila de Nossa Senhora das Cumbucas de Água Santa...
Em O Menino Poeta muitos poemas ou foram inspirados em fatos de sua infância ou aludem ao cotidiano da cidade. Além do poema que deu nome ao livro, podem ser citados, entre muitos outros: Tico-tico, Cavalinho de pau, Hortelão, Corrente de formiguinhas, Consciência, Tempestade.
De fato, de que serra fala a poeta neste trecho de Tempestade?
- Menino, vem para dentro,/ olha a chuva lá na serra,/ olha como vem o vento!/
- Ah! como a chuva é bonita/ e como o vento é valente!
- Não sejas doido, menino,/ esse vento te carrega, / essa chuva te derrete!
Em Entre a árvore e a estrela vamos encontrar referências romanceadas da infância da autora, passada em Lambari: O rio Mumbuca, o charreteiro, a pescaria, o Grupo Escolar.
Como nestes trechos:
A última casa de Ariana havia ficado na esquina, perto do Rio Mumbuca, do Parque Novo.
...................
Vão de charrete? - Na do João da Cruz, não demora ele chegará aqui.
José Carlos, Henriqueta e Alaíde
Esses, a seu tdempo foram membros da ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS.
Filho de Felício Bacha e de Maria de Jesus Lisboa Bacha, nasceu em Lambari (MG), no dia 14 de fevereiro de 1942. Iniciou seus estudos em sua cidade natal, tendo concluído os cursos ginasial e científico no Colégio Santo Antônio, em Belo Horizonte (MG).
Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (1960-1963), Bacha especializou-se em Economia no Centro de Aperfeiçoamento de Economistas da Fundação Getúlio Vargas (1964) e, depois disso, somou à sua formação acadêmica inicial os títulos de mestre (1964-1966) e doutor em Economia (1964-1968), pela Universidade de Yale (Estados Unidos). (Fonte: https://memoria.ibge.gov.br)
Em 3 de novembro de 2016, EDMAR BACHA foi eleito para a ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL)
Veja também:
(1) Vicente e o outro. José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1985. O Menino Poeta. Secretaria da Educação de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1975. Entre a árvore e a estrada. Itatiaia, Belo Horizonte, 1985.
Todos os livros citados podem ser encontrados no Museu Américo Werneck.
(2) Na foto ilustrativa: José Carlos e Henriqueta, no Rio de Janeiro, em 1932.
(3) https://pt.wikipedia.org/wiki/Edmar_Bacha
(4) http://www.academia.org.br/academicos/edmar-lisboa-bacha