MEMÓRIAS DO JOÃO BRÁULIO - Festa no João Bráulio
Ilustração de abertura: Marcela Krauss Rezende, a minha primeira professora, ainda estudante, mas com a mesma carinha de menina, como eu disse, aos sete anos, quando cheguei, levado por minha mãe, todo tímido e envergonhado, para estudar no João Bráulio:
— Voltei e vi, pela primeira vez, dona Marcela. “Uma menina, pensei, professora? Será se é isso memo?”
No livro Menino-Serelepe* registrei algumas passagens significativas dos meus tempos de João Bráulio, isto é, do Grupo Escolar João Bráulio Júnior, em Lambari, MG.
Pois bem, hoje volto ao tema, destacando uma solenidade de Semana da Pátria de que participei. Vamos lá.
No Grupo João BráulioLogo no início do segundo ano, houve, por ocasião da Semana da Pátria, uma festa no grupo, da qual todas as classes deveriam participar. À nossa coube apresentar um número cantado por alguns alunos e alunas, para o que dona Marcela nos treinou cuidadosamente. Para a encenação, nos fantasiamos de coelhinhos: rosto pintado, orelhas de cartolina, camisetinhas e calções brancos e um pau de vassoura que fazia a vez de enxada. Nos aprontávamos todos na casinha da escola, ajudados pelas professoras, quando se viu que um dos participantes esquecera de trazer o calção. Eu não tinha nada com o peixe, mas tinha a mania de arranjar solução para todo e qualquer problema, e, assim, tirei meu calção e o emprestei, pois, por essa época, já usava umas cuecas costuradas pela tia Clélia, que eram feitas de saco de farinha de trigo, lavado e alvejado pela vó Margarida. E fomos, mas, uma vez lá fora, todos juntos à luz da manhã, naquela brancura Rinso, eu notei que a minha cueca destoava dos calções, não só pela cor (que tocava ao pálido) como também pelo tamanho e pela transparência, levei aquele choque e me bateu a timidez e a humilhação que acometem as crianças numa ocasião dessas e as marcam para sempre. Mas, babau! Então, fui em frente, numa atrapalhação só, procurando com os olhos apoio em minha mãe, que a tudo assistia juntamente com o pai, Mãe Véia e tia Irene, enquanto participava do número e cantava:
Minha enxadinha trabalha bem/Faz o serviço no vai-e-vem...
Terminada a apresentação, saí voando e a passos agigantados, subi de três em três os degraus da escada que levavam ao banheiro pra vestir na carreira minha calça e me livrar daquela situação desonrosa de estar me exibindo de cuecas para um Grupo João Bráulio tão lotado de gentes que não cabia nem um alfinete. (“Ufa! Como é bom estar vestido!”)
E pra rematar a desdita e cumular minha desgraça, tio Mário, que não perdia um mote, depois de rir bastante do caso, ainda por cima me espezinhou dizendo: — Bem feito, isso é pro cê ir aprendendo que foi de tanto fazê favor que inhambu sura perdeu o rabo.
Fotos
Uma solenidade no João Bráulio, nos anos 1950
Festa no João Bráulio, anos 1980. Na foto: professores Célia Lorenzo (primeiro plano) e Márcio Krauss (ao fundo)
Outras crônicas da Série JOÃO BRÁULIO
Vocabulário de Aguinhas
Babau!: Agora é tarde! Não tem remédio.
Brancura Rinso: Expressão corrente em Aguinhas, nos anos 1960. Referência à propaganda do sabão em pó Rinso, que lavava mais branco.
Sura: Feminino de suru = Diz-se de animal sem cauda ou que só tem o coto da cauda.
Fonte das fotos:
(*) Esta narrativa faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960. O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.
Sobre o João Bráulio, veja também este post: (aqui)