Américo Werneck poderia ter sido um pensador, um lutador, um patriota, um educador, um forte, como quiserem, mas nunca um romancista.
THEMÍSTOCLES LINHARES (2)
Para a compreensão deste post e dos seguintes — que vão tratar dos livros técnicos e das obras espíritas de Werneck — é interessante examinar antes o contexto cultural em que o escritor se situou (aqui).
Outro fator é atentar para a data de publicação de seus romances:
É de recordar-se, também, que, em nota acrescentada posteriormente ao livro Judith (1) — que é de 1912—, Werneck confessa ter publicado cedo demais o livro Graciema e Juracy (a 1a. edição é, provavelmente, de data anterior a 1882; a 2a., complementamente remodelada, de 1898). Ainda em Judith, Werneck informa que desde muito jovem trabalhara em seus futuros romances e livros (Graciema, Morena, Arte de Educar os Filhos) e aconselha aos escritores a não se deixarem vencer pela impaciência da estreia (1).
Saliente-se que a produção romanesca de Werneck é quase toda da sua primeira fase de escritor — parte dela produzida pelo jovem imaturo, ao qual faltava ainda "a escola da experiência, a lição do sofrimento", como ele próprio expressou. À exceção de Marido e Amante (1917), posteriormente aos anos 1900, sua pena não produzirá nenhum outro romance.
Um ponto importante para se creditar ao romancista Américo Werneck é a construção de grandes personagens femininas.
De fato, Bárbara Heliodora (personagem de seu romance A heroína da Inconfidência) [2], Graciema, Juracy (essa inspirada em Judith Lemos, sua primeira mulher), e, ainda, Hermengarda (de Arte de Educar os Filhos) [3] são admiráveis mulheres, figuras romanescas fortes, sensíveis, inteligentes, criadas numa época em que a cultura, geralmente, reservava à mulher um papel subalterno e submisso.
Os críticos literários que analisaram romances de Américo Werneck dão-no como um bom escritor, pensador, articulista, publicista. E veem também algum talento no romancista, mas ainda longe dos autores de primeira plana.
O professor, ensaísta e membro da ABL, Medeiros e Albuquerque, analisando o romance Marido e Amante (4), disse que os trabalhos literários eram a parte acessória da atividade intelectual de Werneck, e, em razão disso, havia no escritor
(...) muito mais habilidade para a exposição de ideias abstratas do que para a exposição literária, a descrição, a análise psicológica.
Themístocles Linhares, em remate aos comentários que escreveu sobre os livros Marido e Amante e Graciema, afirma
Américo Werneck poderia ter sido um pensador, um lutador, um patriota, um educador, um forte, como quiserem, mas nunca um romancista. (5)
Já o redator da coluna Bibliotheca da Gazetinha [jornal GAZETINHA, Rio de Janeiro, edição de 11 de junho de 1882], ao comentar o romance Graciema e Juracy, cuja 2a. edição foi completamente remodelada, anotou:
O livro do sr. Werneck, apesar de alguns graves defeitos (...), revela qualidades apreciáveis e grande tendência para o romance.
E João Ribeiro, no exame crítico de Graciema (6), viu mais qualidades do que defeitos no livro e no autor. Entre os defeitos, por exemplo, citou a complicação do entrecho do livro e o número de episódios e incidentes da narrativa. Mas apontou que o autor conseguiu fazer
A observação exata e escrupulosa dos cenários, como das pessoas e da vida do interior nas fazendas, aliás com certos tons de róseo otimismo.
E acabou por aconselhar
(...) a leitura do livro a todas as pessoas delicadas e de sentimentos puros, que se comprazem em histórias edificantes.
E finalizou:
É, pois, um formoso romance nacional, pelo estilo e pelo tema, pelo caráter e pela forma.
Enfim, para Agripino Grieco, Werneck figurava entre os romancistas que divertem e não pervetem, fugindo ao abuso do efeito literário das lágrimas, não caindo também no efeito contrário: à gargalhada excessiva que escancara as mandíbulas e rebenta os suspensórios burgueses. (7)
Reconstrução de costumes e tradições do passado
No prefácio da 1a. edição de Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre, ao listar os livros que consultou para elaborar sua grande obra, põe Américo Werneck [Graciema, edição de 1920] entre os autores
que fixaram com maior ou menor realismo aspectos característicos da vida doméstica e sexual do brasileiro; das relações entre senhores e escravos; do trabalho nos engenhos; das festas e procissões. (8).
E esse parece ter sido o talento especial do romancista, qual seja "a capacidade de reconstrução dos costumes e tradições do nosso passado" (9), visto ter sido ele um "exímio pintor de quadros, cenas e tipos da roça" (10).
De fato, João Ribeiro (6) já assinalara, quanto ao romance Graciema:
Não é menos exato o realismo dos antigos costumes, a sorte mísera dos negros fugidos nos quilombos, suas feitiçarias e seus crimes.
E outro autor que vai beber nas páginas de Graciema, para elaborar notas de apoio à sua criação literária, é Guimarães Rosa. Com efeito, entre os documentos que compõe o arquivo literário de Rosa, no tópico cujo tema são os "gatos", há uma transcrição de um diálogo entre Graciema e uma criança, nos informa Frederico Camargo. (*)
(*) CAMARGO, Frederico Antonio Camillo. Da montanha de minério ao metal raro: os estudos para a obra de João Guimarães Rosa. [Dissertação - Pós-graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada] - Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2013, p. 52. Disponível em - https://www.google.com.br/#q=frederico+camargo%2C+da+montanha%2C+guimaraes+rosa - Visitado em março/2014.
Confessadamente um discípulo do maior de nossos indianistas (aqui), o entrecho de Graciema não só "lembra algumas das maiores composições de José Alencar", como a linguagem adotada por Werneck procura se aproximar daquela "língua brasileira", preconizada pelo fundador da literatura nacional.
Com efeito, nos lembra João Ribeiro (6), que Werneck anotou o seguinte, nas páginas preliminares de Graciema:
Nascido e criado no ambiente americano, onde a língua materna sofreu modificações e acréscimos notáveis, não posso, sem violência à natureza e sem renegar a minha origem, falar, sentir, pronunciar, escrever, ou euroupar o pensamento, segundo os usos e moldes do moderno ou antigo português europeu.
E da mesma forma como Alencar procedeu no romance O Guarani, Werneck, nas últimas páginas do segundo volume de Graciema, formou um pequeno e interessante vocabulário de brasileirismos que ocorrem no livro. (6)
Já em Marido e Amante, de 1917, fez ele a seguinte anotação quanto aos galicismos:
Aceitando a nacionalização de certos vocábulos estrangeiros, como: chalet, toilette, silhouette, bonnet, champanhe, bond, creche e outros, que o uso diário introduziu na lingua, escrevo-os de acordo com a nossa pronúncia e ortografia: chalé, toalete, silhueta, boné, champanhe, bonde, creche, etc. (11)
Sinopses de livros de Américo Werneck
Para ver uma pequena sinopse dos seguintes livros de Américo Werneck:
clique (aqui)