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19/02/2018 09h41
MEMÓRIAS DE AGUINHAS - Os planos de Américo Werneck para a estância hidromineral de Águas Virtuosas (1)

Ilustração: Projeto de estufa de ferro e vidro - Blueprint de Poley & Ferreira, 1911 - que seria construída no Parque das Águas de Lambari, por Américo Werneck


SUMÁRIO


Introdução

Trata-se este longo artigo de um resumo dos acontecimentos mais significativos de nossa história, só comparável à descoberta de nossas águas em 1780/90.

Nele vamos tratar dos planos de Américo Werneck para a Estância Hidromineral de Águas Virtuosas de Lambary, primeiro como admirador, frequentador/morador da antiga vila (1889-1908), depois como primeiro prefeito nomeado (1909-1911) e a seguir como arrendatário da estância (1911-1912).

Por sua extensão, dividimos o artigo em duas partes. A primeira segue logo abaixo, a segunda poderá ser lida no link abaixo.


Índice da 2a.parte

O índice da 2a. parte segue abaixo, e o texto pode ser visto aqui.

  • Críticas a Werneck
    • Suntuosidade das obras
    • Gastança de dinheiro público
    • Exageros da cobertura jornalística
    • Werneck se defende de críticas e acusações
  • A demanda com o Governo do Estado: Caso Minas X Werneck
    • A cidade abandonada
    • Insucessos do Estado de MG na Justiça
    • O STF decide a favor de Werneck
  • Werneck, enfim, recebe a indenização
  • Quem despertará Lambari do seu sonho de longos anos?...
  • Referências

Apresentação

Américo Werneck passou a residir em Águas Virtuosas de Lambary no ano de 1889, vindo de São Gonçalo do Sapucaí, e aqui associou-se ao grupo político que tinha, entre outros, Garção Stockler, João Bráulio Moinhos Vilhena e João de Almeida Lisboa.

Esse grupo vai se fortalecer muito politicamente na década de 1890, vendo na exploração comercial das águas minerais e na fundação de uma estação balneária um grande futuro para Águas Virtuosas.

E Werneck vai abraçar esse sonho com uma determinação irrefreável.


Veja também:

Para saber mais sobre os aspectos políticos e urbanísticos da vila de Águas Virtuosas no final do Século XIX/início Século XX, acesse:

  • Grupo político responsável pelo desenvolvimento da estância aqui
  • Criação da Prefeitura de Águas Virtuosas e o primeiro prefeito  aqui
  • Aspectos da cidade - Final do Século XIX - Início Século XX aqui

Entre 1892 e 1908, Werneck ocupou diversos cargos no Legislativo e no Executivo, no Rio de Janeiro e Belo Horizonte, mas continuou visitando Lambari (era proprietário da Fazenda dos Pinheiros, em Nova Baden, atual Horto Florestal) e sempre ligado aos problemas políticos da localidade. [1]

Assim, em 1909, quando foi nomeado Prefeito de Águas Virtuosas de Lambary e Presidente da Comissão de Melhoramentos e Superintendente das obras fundadoras da cidade (Cassino, Lago, Parque Novo, Parque das Águas, Farol, etc.), já tinha uma longa carreira na vida pública. [2]

Pois bem, a sua formação de engenheiro (a qual ele menciona no livro de memórias da juventude: Judith), sua experiência como consultor técnico de obras públicas em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro,  sua atividade como diretor da Rede Sul Mineira, sua grande vivência na área pública, tudo isso certamente o qualificou para a missão de tornar-se o "artífice de Águas Virtuosas", como Armindo Martins, memorialista de Lambari, o designou. [3]



Neste post, vamos examinar o plano ambicioso que Werneck traçara para transformar Águas Virtuosas numa "estância europeia": as obras que planejou, aquelas que não realizou e o desfazimento do sonho da Vichy brasileira, que se esfumou diante da demanda judicial com o Governo de Minas Gerais.

Vamos lá.

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Uma visão de futuro

Em 1890, Werneck já tinha percepção do que poderia ser o futuro de Águas Virtuosas de Lambary.

De fato, João de Almeida Lisboa, no discurso que proferiu em abril de 1911, por ocasião da inauguração das obras de Werneck, ressaltou que:

Reprodução: O Paiz, de 25,abril, 1911 [4]


Na carta pública que dirigiu, em 13 de maio de 1890, a João Pinheiro, então Presidente do Estado de Minas Gerais, Garção Stockler, aliado político de Werneck

 aponta a necessidade de demarcação e alargamento da área pública, visto que Águas Virtuosas se tratava de "uma localidade crescente todos os dias e em que já faltam terrenos públicos para construção".

Vejamos:

Reprodução. Jornal do Comércio, 7, mai, 1890 [5]

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O plano geral das obras

O Almanaque Laemmert, edição de 1910, traz uma descrição geral das obras planejadas por Américo Werneck, quais sejam:

  • as destinadas à cidade: ruas, calçamento, demolição de prédios antigos, retificação do Rio Mumbuca, luz elétrica, canalização da água potável e rede de esgotos.
  • e aquelas ligadas à estação de águas propriamente dita: cassino, jogos de azar, divertimentos, hotel, teatro, balneário e outros atrativos para turistas. 

Note-se que parte das obras relativas à urbanização realizadas por Werneck já constavam de plano anterior, gestado por Garção Stockler, quando exerceu o cargo de agente executivo municipal (plano de saneamento e embelezamento da vargem e alinhamento das principais vias de acesso ao Parque das Águas).

Confiram o texto do almanaque:


 Reprodução: Almanaque Laemmert, edição de 1910 [6]

 A referida planta cadastral é esta: Planta de Águas Virtuosas ao tempo de Werneck (1909) aqui


O andamento das obras

Notícias de jornais da época mencionam o andamento das obras na estância de Águas Virtuosas:

Reprodução: Jornal do Brasil, 15 de janeiro de 1910 [17]

Reprodução: Correio Paulistano, 15 de abril de 1910 [7]

  •  Notas
    • O "bois de Águas Virtuosas" se refere ao Parque Novo (bois - francês = mata, bosque).
    • Nele se pretendia a disposição de espaços para corrida e foot-ball e a construção de chalés árabes e japoneses.
    • Entre as atividades/serviços/diversões previstos para o Cassino estavam: restaurantes, banquetes, bailes, concertos, jogos de azar, biblioteca, leitura.

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E o sonho ganhava alturas...

A visão de futuro, a capacidade técnica, a força e as alianças políticas do grupo sul-mineiro a que se filiara, a facilidade de articular  e se movimentar politicamente, o acesso a fontes jornalísticas e pessoas influentes, tudo isso fez que o projeto visionário de Werneck conquistasse adeptos e ganhasse alturas.

O texto abaixo, assinado por M. S., da conhecida revista Fon Fon (1907-1958), escrito pouco depois da inauguração das obras em abril de 1911, dá bem uma ideia da grandiosidade que se imaginava para a futura Vichy brasileira.

Confiram:


Reprodução: Revista Fon Fon n. 18, de 1911  [8]


Fundos públicos e fundos privados

As obras realizadas por Américo Werneck na estância hidromineral de Águas Virtuosas, no período de 1909 a 1911, e inauguradas em 24 de abril deste último ano, foram custeadas por recursos públicos, da ordem de 2.200 contos de réis.

Em 16 de maio de 1912, Werneck arrendou ao Governo do Estado a estância de Águas Virtuosas, obrigando-se a concluir obras, realizar outras e fazer novos investimentos. Assim, viu-se na necessidade de buscar associados para o empreendimento, para dar conta do formidável compromisso de investimentos na estância, a que se obrigara por contrato.

Então, entre meados de 1912 e início de 1913, esteve na Europa e Estados Unidos para conhecer sitios e negócios assemelhados à estância de Lambari, como também para atrair investidores. Na verdade, dias depois da assinatura do contrato, aqui mesmo no Brasil ele já procurava sócios para o empreendimento, como noticia o jornal Correio Paulistano, de 20 de maio de 1912:


Reprodução: Correio Paulistano, 20, mai, 1912  [7]

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Obras entregues e festejos de inauguração

Como se sabe, em 24 de abril de 1911, com a presença do Presidente da República, Hermes da Fonseca, do Presidente do Estado, e de inúmeras autoridades, Américo Werneck inaugurou as obras que realizou em menos de 20 meses, contados a partir de setembro de 1909, quando assumiu a prefeitura de Lambari.

Naquela oportunidade, na solenidade em que prestou contas ao Presidente do Estado de MG, Bueno Brandão, dos recursos que investira na estância de Águas Virtuosas, Américo Werneck listou obras e custos. Disse ele:

O governo do Estado entregou-me dois mil e duzentos contos. Que fiz deles?

  • Terras e mananciais adquiridos para prefeitura - 310 contos;
  • Leiteria - 15 contos;
  • Planta topográfica da Vila - 25 contos;
  • Fábrica de gelo - 50 contos;
  • Abastecimento de água - 200 contos;
  • Oito mil metros de novas avenidas - 60 contos;
  • Britador e compressor para reparos ruas - 15 contos;
  • Farol do lago - 15 contos;
  • Embarcações e gôndolas no lago - 30 contos;
  • Usina e instalação energia elétrica - 300 contos;
  • Cassino - 600 contos;
  • Edifício instituto cirúrgico - 25 contos;
  • Parque Novo e respectivo terreno para edificação da praça de natação e esportes - 200 contos;
  • Mata Municipal; 
  • Cachoeira e pontes na barragem do lago
  • Lago Guanabara - 120 contos;
  • Terreno para a nova estação do trem (lado esquerdo do Cassino);
  • Plantas e parte do terreno do Grande Hotel;
  • Planta do teatro (teatro e hotel seriam ligados ao Cassino por meio de galerias...)
  • Projeto do hipódromo.

Para a execução desses trabalhos, acrescentou Werneck, adquirira mais de 100 prédios e removera mais de 200.000 metros cúbicos de terra e moledo.


Quanto às festividades de inauguração, confira estes posts do site GUIMAGUINHAS:

  • "As obras de Werneck"-  aqui
  • Inauguração da "Vichy Brazileira" - 1a. parte - aqui - 2a. parte - aqui

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O fim do sonho

Werneck arrendara a Estância de Águas Virtuosas em 16 de maio de 1912, pelo prazo de 90 anos. Mas em 27 de junho de 1913,  apenas 14 meses depois, alegando  dificuldades criadas por agentes do Estado de Minas na execução do contrato, deu entrada em ação rescisória na Justiça Federal de Belo Horizonte.

Era o começo do fim do sonho, pois Werneck não havia concluído as principais obras que planejara!

Como se verá abaixo, foram imensos os prejuízos para Águas Virtuosas de Lambary, que, a rigor, jamais se recuperou totalmente desse golpe do destino. 

Nossa Vichy ficou no papel...

Nosso Ícaro voara alto demais...

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As obras não realizadas

A planta do Cassino foi elaborada pela firma Poley & Ferreira, do Rio de Janeiro; estes arquitetos desenharam também os planos para a construção do Farol,  do prédio da Usina, do mercado, que não alcançou nossos dias... do grande hotel que devia ser erigido ao lado do Cassino, do Teatro, da Fonte Luminosa e inúmeros adornos para o Parque das Águas, tudo com requintado bom gosto, arte e maestria. Felizmente nem tudo se perdeu; ainda dormem nos arquivos da Prefeitura os projetos, à espera de quem os tenha tirar para um dia se tornarem realidade...

Armindo Martins, Lambari, Cidade das Águas Virtuosas, 1949, p. 103


Muito dos projetos que idealizara Werneck não conseguiu concluir. Como exemplos: 

  • O Cassino nunca funcionou como tal, a não ser na noite da inauguração, e assim mesmo parcialmente;
  • os locais de passeio, lazer, banho e ginástica do Parque Novo, o entorno e os atrativos do Lago Guanabara, os caminhos da Volta da Mata, as obras de reforma e embelezamento do Parque das Águas ficaram inacabados; 
  • o Grande Hotel ficou somente na plataforma do morro da Fortaleza;
  • Leiteria, cuja obra não foi concluída, nunca cumpriu sua finalidade: servir leite fresco, ao pé da vaca, para os turistas, crianças e convalescentes;
  • o bar do holofote, o novo balneário, o teatro, hipódromo não saíram das plantas;
  • A nova estação do trem (que substituiria a Parada Melo, e seria localizada próximamente do Cassino/Parque Novo) e o instituto cirúrgico ficaram no campo das ideias...

(*) Parte desses projetos, arquivados no prédio da Prefeitura Municipal, foram perdidos em incêndio ocorrido em 1987 - AQUI


 Grande Hotel, Estação do trem, instalações no Parque Novo

À direita do Cassino, ficaria o Grande Hotel, que não passou da plataforma que existe até hoje.

A sua esquerda, a plataforma da Estação de trem, que também não se realizou.


Para o Parque Novo, foram planejadas a construção de coreto para música, de quiosques e de tanque e pavilhões para uso dos banhistas, e também a instalação de espaços para jogos, equipamentos e aparelhos de ginástica, o que não ocorreu.


Adornos para o Parque das Águas

Como escreveu o memorialista Armindo Martins [3], inúmeros adornos para o Parque das Águas, tudo com requintado bom gosto, arte e maestria, em estilo art nouveau, como a estufa de vidro e ferro, fonte com lago, esculturas de garças e figuras humanas, quiosques japoneses, uma grande entrada para o Parque, não foram construídos. [19]

E infelizmente nem mesmo os projetos originais, que estavam guardados nos arquivos da Prefeitura, a que Martins se referiu, sobreviveram, visto o incêndio ocorrido em 1987. (Confira aqui)

Alguns blueprints de projetos não executados, coletados por Francislei Lima da Silva [9] "em uma das salas do Cassino do Lago de Lambari em péssimo estado de conservação", e que passaram somente a "existir como obra de arte, plano de uma pintura da paisagem", podem ser vistos abaixo:


Projeto do arco de entrada para o Parque das Águas [9]


Projeto de viveiro de pássaros para o Parque das Águas [9]

Projeto para estufa de ferro e vidro para o Parque das Águas [9]

Projeto de quiosque para o centro do lago [9]

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Referências

As referências a seguir abragem a 1a. e 2a. parte deste artigo

[1] O Parque Estadual de Nova Baden - aqui

[2] [Américo Werneck]  - Parlamentar e Homem Público - disponível aqui

[3] MARTINS, Armindo. Lambari – Cidade das Águas Virtuosas. 1ª. edição, 1949

[4] O Paiz, de 25,abril, 1911 e 20, mai, 1912 [bn.digital.gov.br]

[5] Jornal do Comércio, 7, mai, 1890 [bn.digital.gov.br]

[6] Almanaque Laemmert, edição de 1910 [bn.digital.gov.br]

[7] Corrreio Paulistano de 15, abr,1910 e 20, mai, 1912 [bn.digital.gov.br]

[8] Revista Fon Fon n. 18, de 1911 [bn.digital.gov.br]

[9] OS MONUMENTOS DA ÁGUA NO BRASIL - Pavilhões, fontes e chafarizes nas estâncias sul mineiras (1880-1925) . Francislei Lima da Silva. [Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2012. Disponível aqui

[10] PIMENTEL, Antônio Fonseca. Memorial dos Setenta. Brasília, DF : Gráfica Brasiliana, 1989, p. 57/58.

[11] A lanterna, edição de 15,ago, 1917 [bn.digital.gov.br]

[12] SOUZA, Heitor. Arrendamento da estância hydro-mineral de Lambary. Belo Horizonte : Imprensa Oficial, 1915.

[13] Rui Barbosa e a Questão Minas X Werneck - disponível aqui - Novos aspectos da Questão Minas X Werneck - aqui

[14]  O Paiz, 20, abr, 1920   [bn.digital.gov.br]

[15]  NASCIMENTO E SILVA, Luiz Gonzaga do. Prefácio de Questão Minas x Wernerck Obras Completas de Rui Barbosa - Vol. XLV 1918 - Tomo IV - Rio de Janeiro : MEC/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980.

[16] Jornal Última Hora, de 6, ago, 1917. [bn.digital.gov.br]

[17] Jornal do Brasil, 15, jan, 1910 e 17, ago, 1917. [bn.digital.gov.br]

[18] A indenização recebida por Werneck - aqui

[19] Carlos Henrique Rangel (Historiador) - Lambari: o município e a estância hidromineral - Histórico elaborado para o Processo de Tombamento do Conjunto Arquitetônico do Cassino de Lambari – IEPHA/MG.

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Publicado por Guimaguinhas
em 19/02/2018 às 09h41

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