Publicista é aquele que escreve por amor e interesse da causa pública e cuja íntima inspiração é política.
JOSÉ VERÍSSIMO
Diz Medeiros e Albuquerque, em crítica literária ao livro Marido e Amante, publicada em 11 de julho de 1917 e reproduzida no livro Páginas de Crítica (1), que Américo Werneck era um de nossos mais operosos polígrafos e que os esses - os polígrafos - podem ser acusados de superficilidade, em face da infinita complexidade dos conhecimentos modernos (isso para os anos 1910!). Mas, acrescenta o articulista, o bom polígrafo possui virtudes, como o raciocínio, a facilidade de explicar as coisas luminosamente, de separar o essencial do acessório, o obscuro do claro. E conclui o pensamento dizendo que
O Dr. Américo Werneck é um desses espíritos simplificadores e clarificadores de ideias. Há, porém, nele muito mais habilidade para a exposição de ideias abstratas do que para a exposição literária, a descrição, a análise psicológica. Isso provém muito naturalmente de que seus trabalhos literários têm sido a parte mais acessória da sua atividade intelectual.
É, pois, do pena do publicista Américo Werneck que saíram seus melhores livros, alguns dos quais importantes ainda hoje.
Dos livros ligados à sua atividade de publicista, podemos citar:
“O Brasil seu Presente e seu Futuro”; “Erros e Vícios da Organização Republicana”; “Problemas Fluminenses”; “Estudos Mineiros”; “Ecos da Multidão”; “Revisão Constitucional”; “Indústrias de Transportes”; “Reforma do Sistema Tributário”; “Reflexões sobre a Crise Financeira”; “Tarifas Aduaneiras”; “Política e Finanças”; “Interdito Possessório”; “Juízo Arbitral”; “Liberdade de Testar”; “Do Divórcio”.
Ideias e reflexões datadas, mas importantes ainda hoje
Para Quintino Bocaiúva, Américo Werneck era o maior pensador brasileiro. Semeador de idéias denominava-o Alcindo Guanabara. Afirmava Nilo Peçanha ser ele o espírito mais profundamente liberal de seu tempo. O Ministro Heitor de Souza, que o enfrentou em pleito célebre de Minas, conceituava-o como a inteligência mais fulgurante do Brasil.
AUGUSTO DE LIMA, Discurso feito na inauguração do retrato de Werneck no Asilo São Luiz, RJ (*)
Em texto publicado em 1971, o articulista Edgar Carone frisou:
As obras de Antônio Felício dos Santos, Amaro Cavalcanti, Américo Werneck, Jorge Street, etc. são essenciais para o conhecimento da problemática industrial entre 1880 e 1930. Elas levantam questões cruciais do nascente industrialismo brasileiro, como as de mercado interno, tarifas, câmbio, imperialismo, etc. A maior parte desta contribuição limita-se, porém, à análise de reivindicações momentâneas, dentro de um caráter imediatista. Apesar de básicas, sua contribuição se limita ao tempo. (2)
Livros de Werneck versando sobre os temas acima mencionados são abundantemente citados, por exemplo, numa obra que é referência sobre a história da nascente indústria brasileira na República Velha (1880-1930). Trata-se do livro A luta pela industrialização do Brasil, de Nícia Vilela Luz (3).
A autora chega mesmo a pôr, em nota de rodapé (págs. 88/89), uma pequena biografia de Werneck, com a lista de suas principais obras, tal a importância desse autor contexto do livro de Nícia Luz:
As obras de Werneck em trabalhos acadêmicos
De fato, no que se refere àquele período (1880/1930) e a temas tais como: industrialização, imigração, tarifas, câmbio, o nome e as obras de Werneck aparecem em artigos, estudos e monografias. Vejam-se estes exemplos:
- Joaquim Murtinho e Américo Werneck argumentavam que a indústria brasileira era artificial, apenas uma indústria montadora de produtos estrangeiros, não agregando valor ao país e gerando altos custos aos consumidores e exportadores (...) Werneck argumentava que o protecionismo fazia a indústria, mas não fazia a riqueza do país, pois encarecia os produtos para a sociedade brasileira. (4)
- (...) a existência de outra corrente (...): os nacionalistas agrários. Dentre estes, destacam-se, principalmente, no período que vai do final do Século XIX às primeiras décadas do Século XX: Américo Werneck, Eduardo Frieiro e Alberto Torres. (5)
- (...) uma outra corrente de protesto levantava-se contra o artificialismo do nosso desenvolvimento industrial. Protecionista, ela reclamava, entretanto, preferência para a produção agrícola, alegando descuido da República pela terra, pelo campo, cujos habitantes constituíam, entretanto, o cerne da nacionalidade brasileira. Américo Werneck, um dos mais típicos representantes dessa corrente, revoltava-se contra esse esquecimento do homem do campo que, a seu ver, era o fator de nossa grandeza e o esteio de nossa soberania. (6)
- Por sua vez, Rui Barbosa e Américo Werneck criticavam duramente o caráter militarista dos primeiros anos da República, e, por conseguinte, os jacobinistas, que, para eles, deveriam servir à nação obedecendo-lhe, não promovendo sedições ou estimulando mudanças de governos. (7)
- A que atribuir este fenômeno generalizado [o jaguncismo], que de Norte a Sul, em zonas separadas por centenas de léguas, e só no meio de uma classe habitantes deflagra com o mesmo caráter violento? Por que motivo, sem entendimento prévio, e sem nenhuma ligação, a rebeldia sertaneja estoura em uma extensão de oitocentas léguas, e depois de escrever as páginas de Canudos, rebenta em Mato Grosso, aparece em Goiás, salta para o Contestado, pipoqueia em pontos distantes como irrupções locais de um fogo subterrâneo no subsolo da sociedade, e centralizando sua ação principal, devasta o Nordeste até as brenhas do Maranhão, em luta renascente e exaustiva, visando sempre os depositárias da autoridade? (8)
Ilustração de abertura: Inauguração do busto de Américo Werneck, na Praça da Liberdade, em Lambari, MG, nos anos 1940. Na foto, o orador do evento: o romancista, ensaísta e acadêmico Gustavo Barroso.
(*) LIMA, Augusto de. Retrato de Werneck [Discurso proferido por ocasião da inauguração do retrato de Américo Werneck, no Asilo São Luiz para Velhice Desamparada, Rio de Janeiro] - Disponível em http://www.allnetmind.com.br.
Mães, que queirais saber ser mães, lêde este livro, porque ele é feito de luz e de perfume. E há de insinuar-se em vossas almas como um hino de adorações.
JORNAL DO COMMERCIO, de 31/10/1887, referindo-se ao livro ARTE DE CRIAR OS FILHOS
Judith, por seu noivo Américo Werneck - Typographya A Editora Ltda., Lisboa, 1912
Judith, publicado em 1912, trata-se de um romance autobiográfico dedicado por Werneck a sua noiva Judith de Lemos, no qual expõe a história de como se conheceram, no ano de 1874, até o casamento ocorrido em 17 de novembro de 1878. A narrativa é dirigida a Judith, como se fora uma longa carta.
Werneck, estudante no Rio de Janeiro, então com 19 anos, vê Judith (ela tinha apenas 12 anos) numa estação de trem, cruzam os olhares — e instantaneamente se apaixona pela menina. A partir daí, ele conta como fez para descobrir quem ela era, onde morava, quem eram seus familiares, pois tem certeza de que a jovenzinha é a mulher da sua vida. Mas é um amor platônico, inconfessado, a distância.
Pouco mais à frente, um grande susto: os pais de Judith vão deixar o Rio de Janeiro, de mudança para o Sul de Minas. Na sequência são narradas as peripécias para ir visitar a família de Judith em São Gonçalo do Sapucaí (MG) e aproximar-se, discretamente, da garota. Não pode falar de casamento, ou de compromisso, em face da juventude dos noivos e do fato de ser ainda um estudante, sem nenhuma condição de formar e sustentar uma família. Quando, depois, de algum tempo, consegue declarar seu amor, surge grave problema: o pai da menina — João Lemos —, por razões misteriosas que somente serão reveladas no final do romance, não autoriza o noivado, em que pese à cumplicidade da tia, a Baronesa de Rio Verde, e à intervenção de um amigo comum das famílias Lemos e Werneck.
O livro relata fatos interessantes sobre o Sul de Minas de meados do Século XIX, como a dificuldade de se chegar a São Gonçalo do Sapucaí, de cavalo, atravessando a Serra do Picu, na divisa do Estado, e também descreve festas, costumes, tradições e expressões da gente do Sul de Minas daquela época. Nele já há referências a Águas Virtuosas da Campanha, a futura cidade de Lambari, onde o autor viria a morar, a partir de 1889, e da qual se tornaria prefeito, em 1909.
Iustração de abertura: Judith, com 18 anos, segundo um quadro de Decio Villares, extraído do citado romance.
Bárbara Heliodora, em óleo sobre tela encontrado nos porões da antiga Fazenda Boa Vista em São Gonçalo do Sapucaí. Fonte: Wikipedia
A heroína da Independência trata-se de uma biografia romanceada de Bárbara Heliodora, mulher de Alvarenga Peixoto, grande musa do poeta da Inconfidência, e ela própria poetisa, que participou ativamente da Conjuração Mineira,
Esse livro de Werneck foi inspirado certamente pela sua mudança para São Gonçalo do Sapucaí (MG), cidade em que Heliodora residira e falecera (24 de maio de 1819), e onde Werneck veio a morar nos anos 1880. (aqui)
Referências ao livro de Werneck, publicadas no Dicionário de mulheres brasileiras - de 1500 até a atualidade, biográfico e ilustrado, Jorge Zahar Editores (aqui)
O livro de Werneck, e em especial o episódio acima, contribuiu para a formação do "mito de heroína", de que se revestiu a atuação de Bárbara Heliodora na Conjuração Mineira.
"Certamente sua atuação política [de Heliodora] quando da extradição do marido foi bastante significativa para as mulheres de então, pois, segundo consta, ela teria impedido o marido de denunciar seus companheiros em troca da comutação de sua pena". (*)
(*) PEREIRA, Claudia Gomes Dias Costa. Contestado Fruto: A poesia esquecida de Beatriz Brandão [1779-1868] . Monografia. Belo Horizonte : Faculdade de Letras da UFMG, 2009, p. 108. (aqui)
Interessante ressaltar que um autor fluminense (nasceu no Vale do Paraíba), que estudou no Rio de Janeiro, veio a escrever importante obra sobre um fato político de Minas Gerais (a Conjuração), com muitos personagens mineiros, ressaltando a vida de uma grande mulher mineira (Bárbara Heliodora).
Essa obra foi listada entre as "genuínamente mineiras", para distribuição nas escolas públicas do Estado. Confira no tópico a seguir.
Em 1904, o Projeto de Lei n. 87, da Câmara dos Deputados de Minas Gerais, autorizou a edição do livro e a distribuição às escolas públicas do Estado:
A heroína da Independência foi editado em 1899 pela Imprensa Oficial de Minas Gerais (aqui).
Marido e Amante, Rio, 1917
Marido e Amante, o mais irregular dos romances de Werneck, foi objeto de críticas quando de seu lançamento, em 1917, reprovações essas efetuadas por Medeiros e Albuquerque (1) e João Ribeiro (2).
Mais recentemente também Wilson Martins considerou-o uma espécie da "subliteratura sem a qual, na verdade, a própria literatura não pode subsistir" (3), e Themístocles Linhares viu-o como um equívoco, "um romance convertido em manual de conduta doméstica e prática sobre como aperfeiçoar a convivência do casamento, etc." (4)
O livro conta as "experiências de um inglês excêntrico que queria transformar a mulher em amante, usando para tanto uma série de simulações e artifícios chocantes e absurdos, como, por exemplo, escrever-lhe cartas de um suposto adorador e arranjando até alguém para desempenhar semelhante papel" (4).
Então, o "marido transforma-se em amante da própria esposa; e nesta aventura daí por diante se desenvolve um compêndio de moral doméstica e prática, apontam-se os perigos da sociedade, fútil e perversa, as insídias do luxo e da vaidade feminina, os defeitos da educação que fazem das meninas de hoje [do final do Século XIX] verdadeiros monstros da leviandade e imprudência." (2)
Na conclusão de seu artigo, Medeiros e Albuquerque (1), que já exaltara as qualidades de publicista de Werneck, diz que
No fim de contas, sente-se que das mais várias atividades que o Dr. Américo Werneck tem exercido a que está mais de acordo com o seu temperamento é a de educador. Isso se revela, de um modo excessivo, no seu último livro.
O julgamento final do livro, feito por João Ribeiro (2), é exemplar:
Tudo isto ficaria melhor num livro de educação e o autor é reconhecidamente um pedagogo de firme nomeada, merecidamente obtida em trabalhos de valia.
Nota: Antes de sair em livro, a crítica de Medeiros e Albuquerque foi publicada no jornal A Noite, do Rio de Janeiro, edição de 11/06/1917, pág. 2, e pode ser vista (aqui)
Graciema - Romance Brasileiro - Nova edição ilustrada - Typographia Leuzinger, Rio de Janeiro, 1920
Graciema, romance planejado por Werneck ainda quando muito moço, foi lançado em 1a. edição, provavelmente em 1882, com o nome de Graciema e Juracy, edição essa ao qual o autor aludiu como sendo "uma precipitação", uma edição em "quatro volumes detestáveis, de estilo indeciso e incorreto". A segunda edição, já refundida, data de 1898, e a terceira, em 2 volumes, com quase setecentas páginas, foi dada à luz em 1920.
Parece ter sido João Ribeiro (1) um dos primeiros críticos a examinar essa edição de Graciema, de 1920. Tal crítica foi primitivamente feita pelas páginas do jornal Imparcial, edição de 14 de março de 1922. Nela, Ribeiro faz o seguinte resumo de Graciema:
[Gira a trama em torno] de grave dissídio que surge inopinadamente entre duas famílias amigas, a de Fernando Álvares e a de Maurício.
O primeiro é pai de Juraci, uma das figuras de relevo no romance, e o segundo é o pai de Graciema, disputada e querida de todos, a heroína e principal figura que dá o nome ao livro.
Inimizade terrível separou as duas famílias, porque uma frase de vaga mas imprudente ameaça de Fernando, e logo em seguida o assassínio de Maurício, parecia fazer recair a responsabilidade do crime sobre o fazendeiro Fernando Álvares.
A prova cabal de sua inocência só se faz lenta e dificilmente; e isso constitui uma dos fios na urdidura do romance. Mas o aspecto sentimental de todas as páginas origina-se do amor constante dos dois filhos das duas famílias que a fatalidade e as aparências tornaram inimigas; é esse amor de Mário e Juraci que vem, afinal, cimentar a união inspirada e redimir a discórdia entre aquela gente boa e sem culpa, vítima da perfídia e da vingança monstruosa da escravidão contra todos os senhores, quaisquer que fossem.
Há muitas ações parciais dentro desse esquema aqui esboçado: os amores de Graciema enchem as páginas mais suaves do livro.
Nota: Para ver um resumo das críticas sobre Graciema, (re)leia este texto (aqui).
Lucrécia - Belo Horizonte : Imprensa Official do Estado de Minas, 1900
Ao que se sabe, Lucrécia é a única peça teatral de Werneck.
Trata-se de uma tragédia, cujo cenário é o Rio Grande do Norte e a Barra do Cunhaú, lugar de belíssima riqueza natural, onde se instalara um famoso engenho de cana.
A época, meados do Século XVII, durante o período da invasão holandesa. O drama ocorre durante a dura luta dos conjurados contra os invasores, que então governavam a região, e a violenta repressão dos holandeses, no episódio da mortandade ocorrida no Engenho Cunhaú.
Em cena, entre outros: Jacob Rabbi, governador holandês; Leyden, lugar-tenente de Jacob; Vidal de Negreiros, chefe da instauração restauradora; D. Lopo Moniz, conde de Villa-Flor, fidalgo português; Lucrécia, filha de Dom Lopo; Tancredo, comandante das guardas de Dom Lopo.
Exemplar editado pela Empreza Graphica e Editora, RJ, 1928)
Werneck conta no livro Judith (1), que desde muito jovem tinha em mente o lineamento do livro Arte de Educar os Filhos, mas teve de adiar o projeto, em face de sua juventude e inexperiência. E somente o concluiria o livro quando ele próprio tivesse a experiência de ser um chefe de família e adquirisse a perícia necessária para aproveitar e pôr em ordem o material que vinha colhendo do estudo de si mesmo, nas recordações da infância, na análise dos caracteres e temperamentos que ia encontrando em seu caminho.
Ele chega a mencionar um fato que ocorreu com ele, Werneck, e seu pai, como exemplo do que poderia incluir no livro: o menino Américo, então com 6 anos, teimosamente insiste em comer pimenta, e o pai então colhe três pimentas e faz com que coma, para aprender a lição.
A síntese do livro e a técnica adotada constam da seguinte trecho:
Fonte: Crítica de Agenor de Roure (O PAIZ, edição de 24/04/1896, pág. 1)
A íntegra da crítica acima, publicada em O PAIZ, pode ser lida na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional, clicando (aqui)
Esse livro foi, possivelmente, uma das maiores contribuições de Américo Werneck como escritor. Na terceira edição dessa obra, seus filhos lhe prestaram uma homenagem, mandando nele inserir a seguinte mensagem:
Este livro primoroso, que bem poderia ser o evangelho de todas as mães, foi editado pela primeira vez em 1895, esgotando em poucos meses uma tiragem de 15.000 exemplares, o que, na época constituiu um formidável successo literário.
A primeira edição de Arte de Educar os Filhos é de 1895. No Arquivo Público Mineiro há um exemplar da edição de 1896, cuja ficha técnica pode ser examinada (aqui).
Américo Werneck poderia ter sido um pensador, um lutador, um patriota, um educador, um forte, como quiserem, mas nunca um romancista.
THEMÍSTOCLES LINHARES (2)
Para a compreensão deste post e dos seguintes — que vão tratar dos livros técnicos e das obras espíritas de Werneck — é interessante examinar antes o contexto cultural em que o escritor se situou (aqui).
Outro fator é atentar para a data de publicação de seus romances:
É de recordar-se, também, que, em nota acrescentada posteriormente ao livro Judith (1) — que é de 1912—, Werneck confessa ter publicado cedo demais o livro Graciema e Juracy (a 1a. edição é, provavelmente, de data anterior a 1882; a 2a., complementamente remodelada, de 1898). Ainda em Judith, Werneck informa que desde muito jovem trabalhara em seus futuros romances e livros (Graciema, Morena, Arte de Educar os Filhos) e aconselha aos escritores a não se deixarem vencer pela impaciência da estreia (1).
Saliente-se que a produção romanesca de Werneck é quase toda da sua primeira fase de escritor — parte dela produzida pelo jovem imaturo, ao qual faltava ainda "a escola da experiência, a lição do sofrimento", como ele próprio expressou. À exceção de Marido e Amante (1917), posteriormente aos anos 1900, sua pena não produzirá nenhum outro romance.
Um ponto importante para se creditar ao romancista Américo Werneck é a construção de grandes personagens femininas.
De fato, Bárbara Heliodora (personagem de seu romance A heroína da Inconfidência) [2], Graciema, Juracy (essa inspirada em Judith Lemos, sua primeira mulher), e, ainda, Hermengarda (de Arte de Educar os Filhos) [3] são admiráveis mulheres, figuras romanescas fortes, sensíveis, inteligentes, criadas numa época em que a cultura, geralmente, reservava à mulher um papel subalterno e submisso.
Os críticos literários que analisaram romances de Américo Werneck dão-no como um bom escritor, pensador, articulista, publicista. E veem também algum talento no romancista, mas ainda longe dos autores de primeira plana.
O professor, ensaísta e membro da ABL, Medeiros e Albuquerque, analisando o romance Marido e Amante (4), disse que os trabalhos literários eram a parte acessória da atividade intelectual de Werneck, e, em razão disso, havia no escritor
(...) muito mais habilidade para a exposição de ideias abstratas do que para a exposição literária, a descrição, a análise psicológica.
Themístocles Linhares, em remate aos comentários que escreveu sobre os livros Marido e Amante e Graciema, afirma
Américo Werneck poderia ter sido um pensador, um lutador, um patriota, um educador, um forte, como quiserem, mas nunca um romancista. (5)
Já o redator da coluna Bibliotheca da Gazetinha [jornal GAZETINHA, Rio de Janeiro, edição de 11 de junho de 1882], ao comentar o romance Graciema e Juracy, cuja 2a. edição foi completamente remodelada, anotou:
O livro do sr. Werneck, apesar de alguns graves defeitos (...), revela qualidades apreciáveis e grande tendência para o romance.
E João Ribeiro, no exame crítico de Graciema (6), viu mais qualidades do que defeitos no livro e no autor. Entre os defeitos, por exemplo, citou a complicação do entrecho do livro e o número de episódios e incidentes da narrativa. Mas apontou que o autor conseguiu fazer
A observação exata e escrupulosa dos cenários, como das pessoas e da vida do interior nas fazendas, aliás com certos tons de róseo otimismo.
E acabou por aconselhar
(...) a leitura do livro a todas as pessoas delicadas e de sentimentos puros, que se comprazem em histórias edificantes.
E finalizou:
É, pois, um formoso romance nacional, pelo estilo e pelo tema, pelo caráter e pela forma.
Enfim, para Agripino Grieco, Werneck figurava entre os romancistas que divertem e não pervetem, fugindo ao abuso do efeito literário das lágrimas, não caindo também no efeito contrário: à gargalhada excessiva que escancara as mandíbulas e rebenta os suspensórios burgueses. (7)
Reconstrução de costumes e tradições do passado
No prefácio da 1a. edição de Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre, ao listar os livros que consultou para elaborar sua grande obra, põe Américo Werneck [Graciema, edição de 1920] entre os autores
que fixaram com maior ou menor realismo aspectos característicos da vida doméstica e sexual do brasileiro; das relações entre senhores e escravos; do trabalho nos engenhos; das festas e procissões. (8).
E esse parece ter sido o talento especial do romancista, qual seja "a capacidade de reconstrução dos costumes e tradições do nosso passado" (9), visto ter sido ele um "exímio pintor de quadros, cenas e tipos da roça" (10).
De fato, João Ribeiro (6) já assinalara, quanto ao romance Graciema:
Não é menos exato o realismo dos antigos costumes, a sorte mísera dos negros fugidos nos quilombos, suas feitiçarias e seus crimes.
E outro autor que vai beber nas páginas de Graciema, para elaborar notas de apoio à sua criação literária, é Guimarães Rosa. Com efeito, entre os documentos que compõe o arquivo literário de Rosa, no tópico cujo tema são os "gatos", há uma transcrição de um diálogo entre Graciema e uma criança, nos informa Frederico Camargo. (*)
(*) CAMARGO, Frederico Antonio Camillo. Da montanha de minério ao metal raro: os estudos para a obra de João Guimarães Rosa. [Dissertação - Pós-graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada] - Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2013, p. 52. Disponível em - https://www.google.com.br/#q=frederico+camargo%2C+da+montanha%2C+guimaraes+rosa - Visitado em março/2014.
Confessadamente um discípulo do maior de nossos indianistas (aqui), o entrecho de Graciema não só "lembra algumas das maiores composições de José Alencar", como a linguagem adotada por Werneck procura se aproximar daquela "língua brasileira", preconizada pelo fundador da literatura nacional.
Com efeito, nos lembra João Ribeiro (6), que Werneck anotou o seguinte, nas páginas preliminares de Graciema:
Nascido e criado no ambiente americano, onde a língua materna sofreu modificações e acréscimos notáveis, não posso, sem violência à natureza e sem renegar a minha origem, falar, sentir, pronunciar, escrever, ou euroupar o pensamento, segundo os usos e moldes do moderno ou antigo português europeu.
E da mesma forma como Alencar procedeu no romance O Guarani, Werneck, nas últimas páginas do segundo volume de Graciema, formou um pequeno e interessante vocabulário de brasileirismos que ocorrem no livro. (6)
Já em Marido e Amante, de 1917, fez ele a seguinte anotação quanto aos galicismos:
Aceitando a nacionalização de certos vocábulos estrangeiros, como: chalet, toilette, silhouette, bonnet, champanhe, bond, creche e outros, que o uso diário introduziu na lingua, escrevo-os de acordo com a nossa pronúncia e ortografia: chalé, toalete, silhueta, boné, champanhe, bonde, creche, etc. (11)
Sinopses de livros de Américo Werneck
Para ver uma pequena sinopse dos seguintes livros de Américo Werneck:
clique (aqui)
O objetivo deste post é divulgar, por meio de pequenas notas e indicações bibliográficas, alguns subsídios para conhecimento dos principais fatos da vida de Américo Werneck.
Esses subsídios foram postados aqui, também, para uma ligeira visão do contexto cultural e político em que ele nasceu, se formou e viveu, com o que pretendemos facilitar a exposição e a compreensão desta série As obras literárias de Américo Werneck, e bem assim conhecer fatores influentes sobre a pena do escritor.
Américo Werneck nasceu no Distrito de Bemposta, em Paraíba do Sul (RJ) [atualmente Bemposta pertence ao município de Três Rios (RJ)], no dia 13 de março de 1855, filho de Inácio dos Santos Werneck e de Luísa Amélia de Oliveira, barões de Bemposta. Faleceu no Rio de Janeiro em 17 de setembro de 1927. Foi casado com Judith de Lemos Werneck e posteriormente com Regina de Andrade Werneck.
Homem de coração generoso, do que há pelo menos dois registros:
Estudos preparatórios: Colégio Kopke, de Petrópolis, no Colégio Pedro II, e no externato Aquino, ambos no Rio de Janeiro. Matriculou-se na então Escola Central, no ano de 1872, e formou-se Engenheiro Civil, na turma de 1876, da então Escola Politécnica do Rio de Janeiro, nome que aquela recebeu a partir de 1874.
Na definição de José Veríssimo, publicista é aquele que escreve por amor e interesse da causa pública e cuja íntima inspiração é política. (3)
Podemos separar a atividade jornalística de Werneck de sua passagem pelo Sul de Minas (anos 1880/90), que teve como bandeiras principais o abolicionismo e a república, daquela praticada em idade mais madura, em jornais da Capital Federal, Belo Horizonte, Petrópolis.
De artigos publicados nessa última fase, em que passou a exercer cargos no Legislativo e no Executivo, é que se originaram alguns dos opúsculos e livros sobre finanças, economia, sociologia, direito e política que editou.
Abandonou a vida pública em 1912, quando deixou a Prefeitura de Águas Virtuosas. Mas prosseguiu com sua vida literária, escrevendo livros e publicando artigos.
Dos livros ligados à sua atividade de publicista, podemos citar:
“O Brasil seu Presente e seu Futuro”; “Erros e Vícios da Organização Republicana”; “Problemas Fluminenses”; “Estudos Mineiros”; “Ecos da Multidão”; “Revisão Constitucional”; “Indústrias de Transportes”; “Reforma do Sistema Tributário”; “Reflexões sobre a Crise Financeira”; “Tarifas Aduaneiras”; “Política e Finanças”; “Interdito Possessório”; “Juízo Arbitral”; “Liberdade de Testar”; “Do Divórcio”.
Veja também edições da GAZETA SUL MINEIRA, anos 1887, 1890, 1991, editada em São Gonçalo do Sapucaí, por Américo Werneck (aqui)
9 - Aspectos de sua vida em Águas Virtuosas de Lambary
Themístocles Linhares (4), ao comentar os romances de Werneck, registra em nota de rodapé:
Américo Werneck, pouco se sabe de sua biografia. Como tivesse vivido sempre no Rio de Janeiro, supõe-se que tenha ali nascido e morrido.
O fato é que havia e ainda há poucos registros biográficos de Américo Werneck. De qualquer modo, seguem abaixo indicações dos que conseguimos coletar.
Fonte: MARTINS, Armindo. Lambari, cidade das Águas Virtuosas, 1a. edição, 1949, p. 19.
Fonte: MILEO, José N. Ruas de Lambari. Guaratinguetá, SP : Graficávila, 1a. edição, 1970, págs. 35/36.
Fonte: LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil. São Paulo : Editora Alfa Ômega, 1978, págs. 88/89
Fonte: Externato Aquino (1864) - Ex-alunos - Subsídios biográficos-genealógicos. Pág. 6. Disponível em: http://www.cbg.org.br/novo/wp-content/uploads/2012/07/externato-aquino-II.pdf. Visitado em 11/03/2014.
Fonte: Jornal A Noite, Rio de Janeiro, 17/09/1927
Sobrado construído no final Século XVIII, em São Gonçalo do Sapucaí (MG) [atualmente demolido], que pertenceu à Baronesa de Rio Verde [Olímpia Carolina Villela de Lemos], tia de Judith de Lemos, que veio a ser a primeira mulher de Werneck. No romance Judith, Werneck descreveu cenas ocorridas nos anos 1870, no interior desse sobrado.
Página antológica de Werneck
Elaboradas com critério e bom gosto na escolha, as velhas antologias escolares, notadamente a de Eugênio Werneck e Carlos de Laet e Fausto Barreto, eram adotadas em todo o Brasil. (1)
A Antologia Brasileira, de Eugênio Werneck, cuja primeira edição foi publicada em 1900, como parte da comemoração pelo quarto centenário do Brasil, foi um dos livros didáticos para ensino de literatura brasileira mais populares de sua época, tendo atingido a 17a. edição em 1935 e a 22a. em 1942. Composta de duas partes, a primeira dedicada à prosa e a segunda à poesia, o livro pretendia introduzir à juventude brasileira trechos notáveis das obras dos mais importantes autores brasileiros, dos tempos coloniais ao fim do século XIX, sobre os mais diversos assuntos e sob as mais diversas formas literárias. Cada excerto vem precedido de uma nota biobibliográfica sobre o autor. (2)
Dessa obra de Eugênio Werneck consta o texto intitulado A derribada, correspondente ao capítulo XLII de Graciema. A propósito disso, diz Nélson de Werneck Sodré, na pág. 7 do primeiro volume de suas memórias de escritor (3) , que
(...) aqui interessa justamente aquela atividade de Américo Werneck que ficou esquecida: a de escritor. Esse esquecimento é injusto, sob alguns aspectos: na obra de Américo Werneck, variada e relativamente extensa, há coisas que mereciam ser guardadas. Uma só de suas páginas, entretanto, foi salva do esquecimento: na antologia da língua portuguesa organizada pelo Prof. Eugênio Werneck, e que rivaliza, ainda hoje, com aquela organizada por Carlos de Laet e Fausto Barreto, na preferência dos mestres do ensino médio — figura trecho do romance Graciema, de Américo Werneck, descrevendo a derrubada. É, realmente, aquilo que se convencionou conhecer como página antológica (...)
Eis o trecho antológico, extraído da obra de Eugênio Werneck (4):
Referências:
Ilustração de abertura: estampa de Juracy, personagem do livro Graciema, extraída do volume 2 desse romance
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