Ilustração de abertura: Doodle (versão modificada do logotipo do Google, que celebra datas e personalidades) criado para homenager os 54 anos de Ayrton Senna.
Quem quiser superar Ayrton Senna terá de inventar uma maneira completamente nova de correr.
NIKI LAUDA
Neste ano de 2014, duas datas significativas tornam Ayrton Senna mais presente entre os seus milhões de fãs brasileiros:
Por essa razão, neste post vamos rememorar como uma das mais importantes biografias do piloto começou a surgir na cidade de Lambari (MG), pelas mãos do lambariense Ernesto Rodrigues.
Ayrton — o herói revelado. (aqui)
Ernesto Rodrigues é filho de José Benedito Rodrigues e Edite Carneiro Rodrigues. Sobre as atividades literárias de seu pai e de seu irmão já escrevemos dois textos para o GUIMAGUINHAS (aqui) e (aqui).
Uma família especialista em Fórmula 1 e Ayrton Senna
No prefácio do livro acima, de 2004, Ernesto Rodrigues escreve:
Edite, minha mãe, fazia um esforço contagiante para me acompanhar diante da tevê naquelas manhãs de domingo, quando os grandes prêmios coincidiam com meus fins de semana de descanso na cidade em que nasci, Lambari, no Sul de Minas. Mas era dona Leda, mãe de André Gesualdi, um grande amigo de infância, quem entendia de Fórmula 1 e de Ayrton Senna. Ela, o filho e o marido Ismael, um médico que não largava de cigarros Hollywood, política, esporte e jornais, eram especialistas apaixonados.
Sobre Ismael Gesualdi veja esta crônica (aqui). André Gesualdi, que herdou da mãe o hábito de colecionar, foi meu companheiro de futebol no mirim do Águas Virtuosas, sendo então conhecido por Andrezinho (aqui); atualmente, é grande colaborador do GUIMAGUINHAS (aqui).
Como a biografia de Senna começou a ser escrita
Prossegue Rodrigues, no prefácio do livro Ayrton — o herói revelado:
Este livro começou a ser escrito quando atravessei a rua que separa a casa do meu pai da dos Gesualdi, e descobri que, além da paixão por Ayrton, dona Leda tinha guardado, ao longo de mais de 20 anos, na garagem em que eu e André jogávamos futebol de botão quando meninos, uma gigantesca preciosidade: dezenas de caixotes de papelão, com milhares de recortes de jornais e revistas cuidadosamente identificados. Tudo sobre Fórmula 1 e, em especial, Ayrton Senna. Era um tesouro. E o impulso definitivo para que eu, jornalista e apaixonado por automobilismo, mergulhasse de vez no antigo projeto de escrever o livro que nunca li sobre a vida de Senna.
O documentário "Ayrton Senna do Brasil"
O documentário Ayrton Senna do Brasil, realizado a propósito dos 20 anos da morte de Senna, produzido e dirigido por Ernesto Rodrigues, traça a trajetória profissional e pessoal do grande ídolo da Fórmula 1 e mostra depoimentos de diversas personalidades sobre ele: pilotos e ex-pilotos, artistas, atletas, amigos (aqui).
Esse documentário está sendo exibido pelo programa Esporte Espetacular, em quatro episódios. O primeiro episódio, exibido no último domingo (6 de abril), mostra flashes da cidade de Lambari e entrevistas com Leda Gesualdi, André Gesualdi e Geraldinho Brito Mayer, todos esses de Lambari e fãs de Senna — e grandes cultivadores de sua memória (aqui).
O lambariense Crisóstomo Fernandes foi um dos maiores jogadores de futebol de nossa terra, tendo atuado no Águas Virtuosas, no Vasquinho e na S.O.L. dos anos 1950/60.
Mas há um faceta pouco conhecida de Crisóstomo, qual seja a sua inclinação para a música.
De fato, nos anos 1960, ainda menino, me lembro de uma festa de agosto (dia da cidade) em que Altemar Dutra esteve em Lambari e fez um número em parceria com Crisóstomo. Nesse dia, estavam também presentes o Trio Soberanos e João Ribeiro (João Vital), esse companheiro de Crisóstomo em muitos eventos musicais e em serenatas que ficaram famosas na cidade.
Crisóstomo e João Ribeiro (João Vital), apresentando-se em Três Corações. Ao fundo, no violão, Vítor Cunha (*)
Eu sabia também da existência de um disco gravado por Crisóstomo, mas só recentemente consegui localizá-lo. Trata-se do compacto duplo que segue abaixo. E, entre os acompanhantes de Crisóstomo — "o homem da noite em Lambari"—, estão também o violão e o talento de João (Martins) Ribeiro. Eis o disco:
(*) Já falecido, o Auditor-Fiscal da Previdência, radialista, músico e grande botafoguense Vítor Cunha foi um tricordiano muito estimado pelos seus conterrôneos. Na praça principal da cidade, há hoje uma estátua em sua homenagem, justo tributo que que lhe foi prestado pela comunidade de Três Corações.
Fontes: João Ribeiro; Museu Américo Werneck; brasilmetropole.com.br
Centenas de fatos que pessoalmente observei em bons círculos de manifestações psíquicas me autorizam a proclamar com absoluta segurança a verdade contida nas lições de Kardec.
AMÉRICO WERNECK
No livro Um punhado de verdades, publicado em 1923 (1), fica-se sabendo que Américo Werneck começou a estudar a codificação de Allan Kardec em 1905, e que foi estudioso e experimentador dos fenômenos psíquicos.
No Museu Américo Werneck, em Lambari, há um volume desse livro, uma doação do advogado José Sgarbi Astério àquela instituição.
Esse o tema deste post, que encerra a série AS OBRAS LITERÁRIAS DE AMÉRICO WERNECK.
Vamos lá.
A obra espírita de Américo Werneck, intitulada O Espiritismo perante a Sciencia, foi escrita em 4 volumes:
Lista das obras espíritas de Américo Werneck. No ano de 1923, as duas últimas encontravam-se no prelo.
Vê-se, assim, que Werneck não era positivista, pois Um punhado de verdades encerra uma bela confissão de fé na doutrina codificada por Kardec e uma extraordinária defesa dos postulados espiritistas.[*] Nesse livro, Werneck anotou: Ao espiritismo, que... dizem ser obra do diabo, devo as maiores consolações da vida. (2)
[*] PORTUGAL, Henrique Furtado. Velho livro de Américo Werneck. O Triângulo, Uberlândia, MG, 19 nov. 1974.
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No artigo acima o autor comenta o livro Um punhado de verdades, que lhe fora emprestado por José Sgarbi Astério.
Passei a vida pugnando pelos direitos individuais; e neste posto entregarei minha alma a Deus.
AMÉRICO WERNECK
Themístocles Linhares, em sua História Crítica do Romance Brasileiro (1728-1981)[3], informa em nota de rodapé que
Américo Werneck (...) escreveu vários livros e um dos últimos, publicado em 1924, foi Um punhado de verdades, obra de combate em que o autor procurava defender a doutrina espírita, de que se fez cultor e paladino. O livro abordava vários problemas, como o caso do japonês, em que o autor verberava o preconceito de raças, mostrando quão desumano e pouco sensato era pretender relegar ao isolamento a forte raça nipônica.
Nessa sua primeira obra sobre o Espiritismo — na verdade uma coletânea de artigos reunidos num livro de 194 páginas —, Werneck expõe argumentos de defesa da doutrina sob os seguintes aspectos principais: — o doutrinário, no qual faz sua profissão de fé espírita, baseada em leituras, observações e provas experimentais; o jurídico, em que analisa os aspectos constitucionais e legais da livre consciência e da prática espírita da mediunidade e do receituário e curas espirituais; e o político-social, em que disserta sobre vários assuntos ligados à liberdade de consciência e à prática religiosa, e assim também sobre temas sociais como vacinação obrigatória, imigração, raça, civilização brasileira.
Quanto às pesquisas científicas e livros clássicos sobre o Espiritismo, Werneck mostra-se, então, atualizado com as obras de Crookes, Lombroso, Richet, Conan Doyle, Flammarion, Victor Hugo. Sobre os aspectos experimentais, ele diz:
Quando me resolvi a terçar armas em favor do espiritismo, mostrando a injustiça dos que o combatem, a minha primeira ideia foi apresentar uma série de estudos originais, orientados em rumo diverso do seguido até então. A dificuldade estava em descobrir um médium honesto, desinteressado e de faculdades excepcionais para essa espécie de fenômenos.
Desanimado de encontrá-lo, resolvi calcar os meus estudos sobre os trabalhos de alguns experimentadores notáveis, submetendo à crítica seus erros e inconsequências.
Já tinha escrito dois volumes quando inesperadamente encontrei em meu caminho o médium que procurava [José de Araújo], e com ele encetei uma série de experiências coroadas de êxito.
De outro lado, com respeito aos aspectos doutrinários do Espiritismo, mostra-se estudioso das obras de Kardec e defensor intransigente da Codificação Espírita. Com efeito, no Capítulo I.b - O ESPIRITISMO NÃO É UM RELIGIÃO, Werneck faz uma histórica defesa doutrinária da Doutrina Espírita em face das ideias de J. B. Roustaing; e em I.c - BREVE RESPOSTA AOS DETRATORES DO ESPIRITISMO, resume o capítulo do mesmo título que consta de Obras Póstumas, de Kardec.
Por fim, no Capítulo 12 - CONCLUSÃO, um septuagenário brasileiro de tantas lutas e valorosos ideais — republicano, abolicionista, nacionalista, espírito liberal —, o outrora cético das religiões e filosofias, nos deixa uma página primorosa de fé em Deus e no futuro do do Brasil:
Ao despedir-me de uma vida fatigada que já não tem encantos, que já não tem auroras, que se estiola ao gélido sopro do inverno, eu me volto para Deus.
Que Ele se amerceie dos que ficam. Que Ele proteja a obra da civilização que aqui lhe aprouver criar e tão corrompida vai sendo.
Que à sombra de nossa bandeira se acolham todas as religiões, todas as seitas, todos os credos, todas as ciências. Eis a compreensão alevantada e justa que constitui o traço característico de nossa raça. É isso que é o Brasil.
Que todos se congreguem em torno de um único ideal de liberdade e amor.
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Antônio Eliézer Leal de Souza, escritor de destaque no parnasianismo do início do século XX, jornalista e crítico literário, foi diretor de A Careta e secretário de A Noite, do Diário de Notícias e de A Nota, todos do Rio de Janeiro.
Capa de A Noite, de 7 de janeiro de 1924
Nos anos 1920, ele realizou inúmeras pesquisas sobre os fenômenos espíritas e práticas mediúnicas ocorridos nos centros espíritas e terreiros. Essas pesquisas resultaram em dois inquéritos históricos. O primeiro — uma série de reportagens no jornal A Noite (RJ), no início de 1924 — formou, posteriormente, o livro No mundo dos espíritos (4), publicado em 1925. O segundo, realizado no jornal Diário de Notícias (RJ), a partir de novembro de 1932, deu origem ao livro Espiritismo, Magia e as Sete Linhas de Umbanda, publicado em 1933. (5)
Capa do livro O mundo dos espíritos, de Leal de Souza, 1a. edição de 1925.
O Diário de Notícias (RJ), edição de 16 de novembro de 1932, estampou texto de Leal de Souza, relatando reunião mediúnica de que participara alguns anos antes, na qual ocorreu a materialização do espírito de Judith Lemos Werneck, a primeira esposa de Américo Werneck. Tal reunião foi presidida pelo próprio Werneck, que desde há alguns anos vinha realizando experimentações espíritas.
Eis alguns trechos desse relato de Leal de Souza:
O ilustre médico Dr. Oliveira Botelho, ministro da Fazenda, no último governo constitucional, viu operar-se diante de seus olhos a ressurreição transitória de uma de suas filhas, por ele conduzida ao cemitério, sendo também consagradas pelo êxito pleno, outras das experiências realizadas sob fiscalização rigorosa pelo sábio, engenheiro Dr. Américo Werneck, e algumas das quais assisti.
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(...) ocorreu o fenômeno principal da noite.
Era, disseram-nos, a esposa do Dr. Werneck falecida aos 25 anos, e não deixava de ser emocionante a sua aparição, na plenitude da mocidade, ao lado do esposo septuagenário.
...........................
E, num circulo de luz espiritual, que a tornava plenamente visível, a ressurreta percorreu a ampla extensão do recinto, agitando em ondulações a brancura de suas vestes, e como eu era um dos presentes, que não assistira as suas materializações anteriores, acercou-se de mim.
— Veja. Será a mão de uma morta? E tocou-me na mão.
Era tépida. Louvei as rendas de seu vestuário, e ela, erguendo o braço, em curva graciosa, estendeu-as; a da manga, sobre as minhas mãos:
— Pode ver. São antigas.
Ousei insinuar:
— Como seriam as sandálias, no seu tempo…
— No meu tempo eram chinelas, respondeu, e caminhando até a mesa existente no fundo da sala, voltou com uma pequena bilha e um copo.
Ofereceu e serviu água a todos os assistentes, trocando frases com eles, e depois de cumprimentar-nos, avisando que se retirava, repôs a bilha e o copo na mesa, e começou a esbater-se, desfazendo-se até desaparecer.
Transcrito do jornal Diário de Notícias (RJ), de 16/11/1932, pág. 6, 2a. seção.
Fonte: Diário de Notícias (RJ), de 16/11/1932
Publicista é aquele que escreve por amor e interesse da causa pública e cuja íntima inspiração é política.
JOSÉ VERÍSSIMO
Diz Medeiros e Albuquerque, em crítica literária ao livro Marido e Amante, publicada em 11 de julho de 1917 e reproduzida no livro Páginas de Crítica (1), que Américo Werneck era um de nossos mais operosos polígrafos e que os esses - os polígrafos - podem ser acusados de superficilidade, em face da infinita complexidade dos conhecimentos modernos (isso para os anos 1910!). Mas, acrescenta o articulista, o bom polígrafo possui virtudes, como o raciocínio, a facilidade de explicar as coisas luminosamente, de separar o essencial do acessório, o obscuro do claro. E conclui o pensamento dizendo que
O Dr. Américo Werneck é um desses espíritos simplificadores e clarificadores de ideias. Há, porém, nele muito mais habilidade para a exposição de ideias abstratas do que para a exposição literária, a descrição, a análise psicológica. Isso provém muito naturalmente de que seus trabalhos literários têm sido a parte mais acessória da sua atividade intelectual.
É, pois, do pena do publicista Américo Werneck que saíram seus melhores livros, alguns dos quais importantes ainda hoje.
Dos livros ligados à sua atividade de publicista, podemos citar:
“O Brasil seu Presente e seu Futuro”; “Erros e Vícios da Organização Republicana”; “Problemas Fluminenses”; “Estudos Mineiros”; “Ecos da Multidão”; “Revisão Constitucional”; “Indústrias de Transportes”; “Reforma do Sistema Tributário”; “Reflexões sobre a Crise Financeira”; “Tarifas Aduaneiras”; “Política e Finanças”; “Interdito Possessório”; “Juízo Arbitral”; “Liberdade de Testar”; “Do Divórcio”.
Ideias e reflexões datadas, mas importantes ainda hoje
Para Quintino Bocaiúva, Américo Werneck era o maior pensador brasileiro. Semeador de idéias denominava-o Alcindo Guanabara. Afirmava Nilo Peçanha ser ele o espírito mais profundamente liberal de seu tempo. O Ministro Heitor de Souza, que o enfrentou em pleito célebre de Minas, conceituava-o como a inteligência mais fulgurante do Brasil.
AUGUSTO DE LIMA, Discurso feito na inauguração do retrato de Werneck no Asilo São Luiz, RJ (*)
Em texto publicado em 1971, o articulista Edgar Carone frisou:
As obras de Antônio Felício dos Santos, Amaro Cavalcanti, Américo Werneck, Jorge Street, etc. são essenciais para o conhecimento da problemática industrial entre 1880 e 1930. Elas levantam questões cruciais do nascente industrialismo brasileiro, como as de mercado interno, tarifas, câmbio, imperialismo, etc. A maior parte desta contribuição limita-se, porém, à análise de reivindicações momentâneas, dentro de um caráter imediatista. Apesar de básicas, sua contribuição se limita ao tempo. (2)
Livros de Werneck versando sobre os temas acima mencionados são abundantemente citados, por exemplo, numa obra que é referência sobre a história da nascente indústria brasileira na República Velha (1880-1930). Trata-se do livro A luta pela industrialização do Brasil, de Nícia Vilela Luz (3).
A autora chega mesmo a pôr, em nota de rodapé (págs. 88/89), uma pequena biografia de Werneck, com a lista de suas principais obras, tal a importância desse autor contexto do livro de Nícia Luz:
As obras de Werneck em trabalhos acadêmicos
De fato, no que se refere àquele período (1880/1930) e a temas tais como: industrialização, imigração, tarifas, câmbio, o nome e as obras de Werneck aparecem em artigos, estudos e monografias. Vejam-se estes exemplos:
- Joaquim Murtinho e Américo Werneck argumentavam que a indústria brasileira era artificial, apenas uma indústria montadora de produtos estrangeiros, não agregando valor ao país e gerando altos custos aos consumidores e exportadores (...) Werneck argumentava que o protecionismo fazia a indústria, mas não fazia a riqueza do país, pois encarecia os produtos para a sociedade brasileira. (4)
- (...) a existência de outra corrente (...): os nacionalistas agrários. Dentre estes, destacam-se, principalmente, no período que vai do final do Século XIX às primeiras décadas do Século XX: Américo Werneck, Eduardo Frieiro e Alberto Torres. (5)
- (...) uma outra corrente de protesto levantava-se contra o artificialismo do nosso desenvolvimento industrial. Protecionista, ela reclamava, entretanto, preferência para a produção agrícola, alegando descuido da República pela terra, pelo campo, cujos habitantes constituíam, entretanto, o cerne da nacionalidade brasileira. Américo Werneck, um dos mais típicos representantes dessa corrente, revoltava-se contra esse esquecimento do homem do campo que, a seu ver, era o fator de nossa grandeza e o esteio de nossa soberania. (6)
- Por sua vez, Rui Barbosa e Américo Werneck criticavam duramente o caráter militarista dos primeiros anos da República, e, por conseguinte, os jacobinistas, que, para eles, deveriam servir à nação obedecendo-lhe, não promovendo sedições ou estimulando mudanças de governos. (7)
- A que atribuir este fenômeno generalizado [o jaguncismo], que de Norte a Sul, em zonas separadas por centenas de léguas, e só no meio de uma classe habitantes deflagra com o mesmo caráter violento? Por que motivo, sem entendimento prévio, e sem nenhuma ligação, a rebeldia sertaneja estoura em uma extensão de oitocentas léguas, e depois de escrever as páginas de Canudos, rebenta em Mato Grosso, aparece em Goiás, salta para o Contestado, pipoqueia em pontos distantes como irrupções locais de um fogo subterrâneo no subsolo da sociedade, e centralizando sua ação principal, devasta o Nordeste até as brenhas do Maranhão, em luta renascente e exaustiva, visando sempre os depositárias da autoridade? (8)
Ilustração de abertura: Inauguração do busto de Américo Werneck, na Praça da Liberdade, em Lambari, MG, nos anos 1940. Na foto, o orador do evento: o romancista, ensaísta e acadêmico Gustavo Barroso.
(*) LIMA, Augusto de. Retrato de Werneck [Discurso proferido por ocasião da inauguração do retrato de Américo Werneck, no Asilo São Luiz para Velhice Desamparada, Rio de Janeiro] - Disponível em http://www.allnetmind.com.br.
Mães, que queirais saber ser mães, lêde este livro, porque ele é feito de luz e de perfume. E há de insinuar-se em vossas almas como um hino de adorações.
JORNAL DO COMMERCIO, de 31/10/1887, referindo-se ao livro ARTE DE CRIAR OS FILHOS
Judith, por seu noivo Américo Werneck - Typographya A Editora Ltda., Lisboa, 1912
Judith, publicado em 1912, trata-se de um romance autobiográfico dedicado por Werneck a sua noiva Judith de Lemos, no qual expõe a história de como se conheceram, no ano de 1874, até o casamento ocorrido em 17 de novembro de 1878. A narrativa é dirigida a Judith, como se fora uma longa carta.
Werneck, estudante no Rio de Janeiro, então com 19 anos, vê Judith (ela tinha apenas 12 anos) numa estação de trem, cruzam os olhares — e instantaneamente se apaixona pela menina. A partir daí, ele conta como fez para descobrir quem ela era, onde morava, quem eram seus familiares, pois tem certeza de que a jovenzinha é a mulher da sua vida. Mas é um amor platônico, inconfessado, a distância.
Pouco mais à frente, um grande susto: os pais de Judith vão deixar o Rio de Janeiro, de mudança para o Sul de Minas. Na sequência são narradas as peripécias para ir visitar a família de Judith em São Gonçalo do Sapucaí (MG) e aproximar-se, discretamente, da garota. Não pode falar de casamento, ou de compromisso, em face da juventude dos noivos e do fato de ser ainda um estudante, sem nenhuma condição de formar e sustentar uma família. Quando, depois, de algum tempo, consegue declarar seu amor, surge grave problema: o pai da menina — João Lemos —, por razões misteriosas que somente serão reveladas no final do romance, não autoriza o noivado, em que pese à cumplicidade da tia, a Baronesa de Rio Verde, e à intervenção de um amigo comum das famílias Lemos e Werneck.
O livro relata fatos interessantes sobre o Sul de Minas de meados do Século XIX, como a dificuldade de se chegar a São Gonçalo do Sapucaí, de cavalo, atravessando a Serra do Picu, na divisa do Estado, e também descreve festas, costumes, tradições e expressões da gente do Sul de Minas daquela época. Nele já há referências a Águas Virtuosas da Campanha, a futura cidade de Lambari, onde o autor viria a morar, a partir de 1889, e da qual se tornaria prefeito, em 1909.
Iustração de abertura: Judith, com 18 anos, segundo um quadro de Decio Villares, extraído do citado romance.
Bárbara Heliodora, em óleo sobre tela encontrado nos porões da antiga Fazenda Boa Vista em São Gonçalo do Sapucaí. Fonte: Wikipedia
A heroína da Independência trata-se de uma biografia romanceada de Bárbara Heliodora, mulher de Alvarenga Peixoto, grande musa do poeta da Inconfidência, e ela própria poetisa, que participou ativamente da Conjuração Mineira,
Esse livro de Werneck foi inspirado certamente pela sua mudança para São Gonçalo do Sapucaí (MG), cidade em que Heliodora residira e falecera (24 de maio de 1819), e onde Werneck veio a morar nos anos 1880. (aqui)
Referências ao livro de Werneck, publicadas no Dicionário de mulheres brasileiras - de 1500 até a atualidade, biográfico e ilustrado, Jorge Zahar Editores (aqui)
O livro de Werneck, e em especial o episódio acima, contribuiu para a formação do "mito de heroína", de que se revestiu a atuação de Bárbara Heliodora na Conjuração Mineira.
"Certamente sua atuação política [de Heliodora] quando da extradição do marido foi bastante significativa para as mulheres de então, pois, segundo consta, ela teria impedido o marido de denunciar seus companheiros em troca da comutação de sua pena". (*)
(*) PEREIRA, Claudia Gomes Dias Costa. Contestado Fruto: A poesia esquecida de Beatriz Brandão [1779-1868] . Monografia. Belo Horizonte : Faculdade de Letras da UFMG, 2009, p. 108. (aqui)
Interessante ressaltar que um autor fluminense (nasceu no Vale do Paraíba), que estudou no Rio de Janeiro, veio a escrever importante obra sobre um fato político de Minas Gerais (a Conjuração), com muitos personagens mineiros, ressaltando a vida de uma grande mulher mineira (Bárbara Heliodora).
Essa obra foi listada entre as "genuínamente mineiras", para distribuição nas escolas públicas do Estado. Confira no tópico a seguir.
Em 1904, o Projeto de Lei n. 87, da Câmara dos Deputados de Minas Gerais, autorizou a edição do livro e a distribuição às escolas públicas do Estado:
A heroína da Independência foi editado em 1899 pela Imprensa Oficial de Minas Gerais (aqui).
Marido e Amante, Rio, 1917
Marido e Amante, o mais irregular dos romances de Werneck, foi objeto de críticas quando de seu lançamento, em 1917, reprovações essas efetuadas por Medeiros e Albuquerque (1) e João Ribeiro (2).
Mais recentemente também Wilson Martins considerou-o uma espécie da "subliteratura sem a qual, na verdade, a própria literatura não pode subsistir" (3), e Themístocles Linhares viu-o como um equívoco, "um romance convertido em manual de conduta doméstica e prática sobre como aperfeiçoar a convivência do casamento, etc." (4)
O livro conta as "experiências de um inglês excêntrico que queria transformar a mulher em amante, usando para tanto uma série de simulações e artifícios chocantes e absurdos, como, por exemplo, escrever-lhe cartas de um suposto adorador e arranjando até alguém para desempenhar semelhante papel" (4).
Então, o "marido transforma-se em amante da própria esposa; e nesta aventura daí por diante se desenvolve um compêndio de moral doméstica e prática, apontam-se os perigos da sociedade, fútil e perversa, as insídias do luxo e da vaidade feminina, os defeitos da educação que fazem das meninas de hoje [do final do Século XIX] verdadeiros monstros da leviandade e imprudência." (2)
Na conclusão de seu artigo, Medeiros e Albuquerque (1), que já exaltara as qualidades de publicista de Werneck, diz que
No fim de contas, sente-se que das mais várias atividades que o Dr. Américo Werneck tem exercido a que está mais de acordo com o seu temperamento é a de educador. Isso se revela, de um modo excessivo, no seu último livro.
O julgamento final do livro, feito por João Ribeiro (2), é exemplar:
Tudo isto ficaria melhor num livro de educação e o autor é reconhecidamente um pedagogo de firme nomeada, merecidamente obtida em trabalhos de valia.
Nota: Antes de sair em livro, a crítica de Medeiros e Albuquerque foi publicada no jornal A Noite, do Rio de Janeiro, edição de 11/06/1917, pág. 2, e pode ser vista (aqui)
Graciema - Romance Brasileiro - Nova edição ilustrada - Typographia Leuzinger, Rio de Janeiro, 1920
Graciema, romance planejado por Werneck ainda quando muito moço, foi lançado em 1a. edição, provavelmente em 1882, com o nome de Graciema e Juracy, edição essa ao qual o autor aludiu como sendo "uma precipitação", uma edição em "quatro volumes detestáveis, de estilo indeciso e incorreto". A segunda edição, já refundida, data de 1898, e a terceira, em 2 volumes, com quase setecentas páginas, foi dada à luz em 1920.
Parece ter sido João Ribeiro (1) um dos primeiros críticos a examinar essa edição de Graciema, de 1920. Tal crítica foi primitivamente feita pelas páginas do jornal Imparcial, edição de 14 de março de 1922. Nela, Ribeiro faz o seguinte resumo de Graciema:
[Gira a trama em torno] de grave dissídio que surge inopinadamente entre duas famílias amigas, a de Fernando Álvares e a de Maurício.
O primeiro é pai de Juraci, uma das figuras de relevo no romance, e o segundo é o pai de Graciema, disputada e querida de todos, a heroína e principal figura que dá o nome ao livro.
Inimizade terrível separou as duas famílias, porque uma frase de vaga mas imprudente ameaça de Fernando, e logo em seguida o assassínio de Maurício, parecia fazer recair a responsabilidade do crime sobre o fazendeiro Fernando Álvares.
A prova cabal de sua inocência só se faz lenta e dificilmente; e isso constitui uma dos fios na urdidura do romance. Mas o aspecto sentimental de todas as páginas origina-se do amor constante dos dois filhos das duas famílias que a fatalidade e as aparências tornaram inimigas; é esse amor de Mário e Juraci que vem, afinal, cimentar a união inspirada e redimir a discórdia entre aquela gente boa e sem culpa, vítima da perfídia e da vingança monstruosa da escravidão contra todos os senhores, quaisquer que fossem.
Há muitas ações parciais dentro desse esquema aqui esboçado: os amores de Graciema enchem as páginas mais suaves do livro.
Nota: Para ver um resumo das críticas sobre Graciema, (re)leia este texto (aqui).
Lucrécia - Belo Horizonte : Imprensa Official do Estado de Minas, 1900
Ao que se sabe, Lucrécia é a única peça teatral de Werneck.
Trata-se de uma tragédia, cujo cenário é o Rio Grande do Norte e a Barra do Cunhaú, lugar de belíssima riqueza natural, onde se instalara um famoso engenho de cana.
A época, meados do Século XVII, durante o período da invasão holandesa. O drama ocorre durante a dura luta dos conjurados contra os invasores, que então governavam a região, e a violenta repressão dos holandeses, no episódio da mortandade ocorrida no Engenho Cunhaú.
Em cena, entre outros: Jacob Rabbi, governador holandês; Leyden, lugar-tenente de Jacob; Vidal de Negreiros, chefe da instauração restauradora; D. Lopo Moniz, conde de Villa-Flor, fidalgo português; Lucrécia, filha de Dom Lopo; Tancredo, comandante das guardas de Dom Lopo.
Exemplar editado pela Empreza Graphica e Editora, RJ, 1928)
Werneck conta no livro Judith (1), que desde muito jovem tinha em mente o lineamento do livro Arte de Educar os Filhos, mas teve de adiar o projeto, em face de sua juventude e inexperiência. E somente o concluiria o livro quando ele próprio tivesse a experiência de ser um chefe de família e adquirisse a perícia necessária para aproveitar e pôr em ordem o material que vinha colhendo do estudo de si mesmo, nas recordações da infância, na análise dos caracteres e temperamentos que ia encontrando em seu caminho.
Ele chega a mencionar um fato que ocorreu com ele, Werneck, e seu pai, como exemplo do que poderia incluir no livro: o menino Américo, então com 6 anos, teimosamente insiste em comer pimenta, e o pai então colhe três pimentas e faz com que coma, para aprender a lição.
A síntese do livro e a técnica adotada constam da seguinte trecho:
Fonte: Crítica de Agenor de Roure (O PAIZ, edição de 24/04/1896, pág. 1)
A íntegra da crítica acima, publicada em O PAIZ, pode ser lida na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional, clicando (aqui)
Esse livro foi, possivelmente, uma das maiores contribuições de Américo Werneck como escritor. Na terceira edição dessa obra, seus filhos lhe prestaram uma homenagem, mandando nele inserir a seguinte mensagem:
Este livro primoroso, que bem poderia ser o evangelho de todas as mães, foi editado pela primeira vez em 1895, esgotando em poucos meses uma tiragem de 15.000 exemplares, o que, na época constituiu um formidável successo literário.
A primeira edição de Arte de Educar os Filhos é de 1895. No Arquivo Público Mineiro há um exemplar da edição de 1896, cuja ficha técnica pode ser examinada (aqui).