Ilustração: Espingardinha de madeira e elástico para atirar milho. Reprodução. Fonte: Internet
As aventuras de Tom Sawier - Prefácio
A maioria das aventuras relatadas neste livro foram vividas: uma ou duas me são pessoais, as outras aconteceram com meus colegas de escola. Huck Finn é descrito na sua essência, Tom Sawier também. Os traços deste último são, no entanto, emprestados de três garotos conhecidos meus: consequentemente ele pertence ao que os arquitetos chamam de ordem composta.
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Ainda que este livro tenha como objetivo principal divertir os jovens, espero que seja apreciado também pelos adultos aos quais me propus, igualmente, fazer lembrar, para seu prazer, o ambiente em que viveram, seus sentimentos, sua mentalidade na época e as empreitadas, por vezes curiosas, das quais puderam participar.
Mark Twain. Hartford, 1876
Há tempos venho mexendo e remexendo no conto A guerra das espingardinhas, capítulo XXIX do meu livro Menino-Serelepe, com o objetivo de desenvolver o texto e transformá-lo num livro infantojuvenil.
Aliás, já me referi a esse livro embrionário em 3 posts aqui no GUIMAGUINHAS:
Pois bem, esta semana minha neta Maria Elisa, após ler o post Desenhos, leituras e contação de histórias (aqui), me perguntou, no WhatsApp, sobre o tal livro A guerra das espingardinhas, dizendo que não o conhecia e se eu já o tinha escrito.
Passei a ela os links supracitados, e disse que não havia terminado o livro, mas que ia fazer isso logo, logo, pois a heroína da história é uma menina que se parece com você (Maria Elisa) e sua prima (Isabela), daí: Maria Bela.
Em casa recolhido, com tempo de sobra, e após a cutucada de minha neta, fui à procura dos planos, anotações, fotos e rascunhos do livro.
Foi assim que nasceu esta série, em que vou contar os bastidores de A guerra das espingardinhas: quem são os personagens (reais e ficcionais), em que locais a história se deu, recursos literários utilizados e livros inspiradores, e outras informações de autor, e, ao fim, vou antecipar capítulos do livro aos leitores do site GUIMAGUINHAS.
Vamos lá? Voltar aos meados dos anos 1960, em Aguinhas (nome literário desta nossa Lambari), numa esquina famosa?
Trata-se da esquina da Rua Tiradentes com a antiga Rua Teófilo Otoni (atualmente Rua Fabiano Pereira Krauss), ponto de partida desta história, onde se reunia um grupo de meninos e meninas — a Turma da Tiradentes — que eram muito unidos, ativos e arteiros, e que, para se defender de um grupo rival agressivo e malvado, tiveram que fazer uma guerra — que ficou conhecida nas tradições de Aguinhas como A guerra das espingardinhas.
Em frente, pois.
Veja também os seguintes posts sobre a A GUERRA DAS ESPINGARDINHAS |
Lambari, MG. Esquina da Rua Tiradentes com a antiga Teófilo Otoni. GoogleMaps, 2012
Armas de brinquedo Hoje em dia, as crianças não brincam mais de armas de brinquedo, e está mesmo interditada a fabricação, importação circulação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir. Muitos pais e educadores, de outro lado, também têm orientado as crianças a não fazer uso de armas de brinquedo. Isso de fato constitui um avanço nos costumes e na formação das crianças, em face de um mundo violento e conturbado. Mas no meu tempo de criança, nos anos 1960, a gente brincava. Mais do que isso: nós mesmos construíamos nossas "armas" e nos divertíamos a valer. |
Abaixo vai o conto original, publicado no livro MENINO-SERELEPE, em que a história é narrada resumidamente.
Agora, no livro A guerra das espingardinhas, o tema central é ainda a guerra entre turmas de meninos, só que com a inclusão de diversos elementos, circunstâncias e personagens essenciais à trama da história e ao seu desfecho, tais como: quem é Maria Bela, como ela veio morar em Aguinhas, como se enturmou ao grupo da Esquina da Tiradentes, como conheceu e se ligou ao personagem Serelepe. E também: como se formou a turma de meninos maldosos contra quem a turma da Tiradentes vai lutar, por que razão se deu a guerra. E mais ainda: a descrição dos cenários, dos preparativos, das estratégias e do grand finale da histórica batalha.
Os textos abaixo, extraídos de A guerra das espingardinhas, mencionam alguns personagens da nossa história.
Confira:
Recortes de texto Ao tempo que conversava, recordava e tomava notas, fui me lembrando nitidamente das carinhas de cada um dos membros do grupo − Turquinho, Espicula, Nice, Binélson, Nuninha, Gaia, Tista, Xandi, Xepinha, Tadeu, Zé Elias, Magrelo, Careca, China, Paulinho do Ico, Vaduca, Chis e, claro, Serelepe. Meninas e meninos éramos então, e ninguém com mais de doze anos. ........................................ De repente, um bando de meninos, de várias classes, e que se atraíam magneticamente na hora das peladas, entre eles Xandi, Binelson, Careca, Espicula, Zé Elias e Serelepe, este carregando a bola, passaram em disparada. ........................................ E eu mesma escalei nosso time: Eu, Maria Bela, no gol, Serelepe e Magrelo na zaga, Binelson e Xandi no meio e Xepinha na frente. O resto aguarda na reserva, que vão entrar no segundo tempo. E o jogo começou. ...................................... A turma era heterogênea, e nela cabiam desde o Xandi, o Zé Elias e o Binelson, que provinham de famílias tradicionais, mas não tinham o travo dos meninos “riquinhos”, como também Zé, seu Altino, Espicula e Cida, que eram muito pobres, filhos de operários. Mas todos se ajustavam às “regras” do grupo, que eram negociadas e consentidas por cada um de nós. O China era filho de japoneses, nissei, portanto, mas para nós era “China”... |
Foi com base em pessoais reais, muitas delas mencionadas no livro MENINO-SERELEPE, que redigimos os textos acima, mas incluímos alguns outros personagens de ficção para compor a história.
Por exemplo, das personagens mencionadas nos textos acima, quem efetivamente participava de nossas brincadeiras de guerras de espingardinhas, estoques, etc. costumava ser: Serelepe, Turquinho, Nice, Gaia, Tista, Cida, Zé e seu Altino.
(1) Jorge Careca e Eunice (1967) — (2) Ana Alice (anos 1960) — (3) Alexandre e Guima, Rubens Nélson e José Elias, formatura do João Bráulio, 1966
Espicula, China e Chis, por outro lado, são personagens ficcionais. Outros personagens baseados em pessoas reais, como Tadeu e Zé Elias, não participavam das batalhas de espingardinhas.
Os personagens do jogo de futebol: Xandi, Binélson, Magrelo e Xepinha, e bem assim as meninas Nuninha e Gaia, são baseados em pessoas reais.
Alexandre, Xepinha e Celinho, Quadra da S.O.L (1967)
Alexandre, Celinho, Xepinha e Rubens Nélson. Mirim do Águas (1968)
O Serelepe: (1) Guima, com 7, 11 e 12 anos
Os personagens integrantes da Cupincharia dos Boys são ficcionais, e assim também Nassinho, Conchão e o delegado Mostardinha.
Algumas outras pessoais reais são mencionadas ao longo da história, entre elas: Dona Sara Bacha, Elias Bacha, Anita Carvalho, Maria José Moreira, Terezinha Machado, Osvaldo Dutra, Paulo Minguta, Ico Scaldaferri, Dade Modesto, Ivan Lins, Nascime Bacha, Dé da Farmácia, Neli Guimarães, Catarina Bacha.
D. Catarina Bacha
D. Dade Modesto, na agência da Evanil
Guima. Esquina da Tiradentes x Teófilo Otoni, 1967
Esquina da Tiradentes. Luiz e Silvio do Paulo Minguta. Anos 1950
E, claro, Maria Bela e seus parentes (avós, pais e tias) são todos personagens fictícios.
Maria Bela, cest moi!
Não existiu uma Maria Bela, trata-se de uma personagem fictícia, com o duplo papel de ser a narradora e a heroína da história.
O nome Maria Bela foi composto a partir dos nomes de minhas netas Maria Elisa e Isabela. Como elas gostam muito de ler e escrever, — e até já publicaram seus primeiros livrinhos (aqui) — é este um modo de estimulá-las a que continuem e desenvolvam seu talento Quanto à personagem Maria Bela, ela foi inspirada em muitas meninas que de fato brincavam com os meninos, lá pelos meados da década de 1960, na esquina da Tiradentes com a Teófilo Otoni. Algumas delas eu referi no livro Menino-Serelepe: Vilminha, Cida do Zé da Fábrica, Eunice Bacha e suas amigas veranistas do Hotel Rezende, a lourinha do Circo do Careca. |
No livro Menino-Serelepe, escrevendo na primeira pessoa, o narrador deixa claro (até no subtítulo da obra: Um antigo menino levado contando vantagem) que está contando vantagem... Pois bem, neste A guerra das espingardinhas os personagens da Turma da Tiradentes fazem suas tropelias, mas são mostrados como pessoas inteligentes, criativas e destemidas, e o autor do livro (Guima, o Serelepe) optou por deixar que outra personagem contasse a história. Por esse motivo criou Maria Bela.
Com esse artifício, o autor se apropriou da voz de Maria Bela. A voz de Maria Bela é, na verdade, a voz do autor, e, assim, esse poderá sempre se desculpar: — Não fui eu que escrevi isso, foi Maria Bela.
Desse modo, ele pôde contar vantagem, exagerar lances, pintar de herói a si e seus amigos, sem receio de parecer exibido, mascarado, mentiroso.
A GUERRA DAS ESPINGARDINHAS Dedicatória do livro Este livro é para minhas netas Maria Elisa e Isabela, que inspiraram MARIA BELA, a heroína desta história. E é também para Celeste Emília, que teve – e ainda tem, na convivência com os netos – seu tanto de MARIA BELA. |
(Gertrude Stein) construiu sua própria biografia da maneira mais engenhosa possível. A narradora do livro é Alice, companheira de Gertrude Stein durante toda a vida, o que lhe permitiu falar de si própria em terceira pessoa e claro, tecer elogios a si mesma sem falsa modéstia.
A AUTOBIOGRAFIA DE ALICE B. TOKLAS. Gertrude Stein. L&PM
No post Quem vai contar as pequenas histórias (aqui), procurei estimular os leitores do meu blog e aqueles que interagem comigo nas redes sociais a que contem suas histórias pessoais, como eu próprio venho fazendo com a série HISTÓRIAS DE AGUINHAS (aqui).
Nos livros anteriores dessa série, todos eles tendo como cenário a cidade de Lambari (que nos livros é chamada de Aguinhas), utilizei diferentes formas narrativas, quais sejam:
Pois bem, neste livro A guerra das espingardinhas a narrativa da história é feita por uma das personagens principais: Maria Bela.
Neste livro, o autor faz uso de um recurso narrativo à la Gertrude Stein, falando de si mesmo e de suas brincadeiras de criança por meio de uma narradora-menina, arteira como Pélica, geniosa como Emília, mordaz como Morley, que conta as aventuras na primeira pessoa, de forma alegre, dinâmica, numa linguagem cheia de sentenças terminantes, ditos curiosos e frases e expressões costuradas por hifens, muitos deles correntes na língua e outros criados por ela mesma.
Texto extraído da orelha do livro A GUERRA DAS ESPINGARDINHAS
Com esse artifício, Maria Bela funciona como uma "testemunha fictícia" da história e a narra do seu ponto de vista, além de colar trechos de um "diário" que supostamente elaborara na sua infância/adolescência.
Para introduzir a personagem-autora Maria Bela, e contar como ela escreveu o livro, extraímos também desse "diário" duas páginas, e as pusemos no capítulo 4 intitulado Pequena história dos meus oito anos.
Tudo isso, esperamos, para tornar a história mais atraente e bem contada.
Tomara eu tenha acertado o tom e que meus leitores gostem.
O Enzo – aquele meu primo distante, com fumaças de escritor, lembra-se dele? –, que veraneava por aqui, pediu pra ler, gostou e fez uma pequena apresentação.
TRECHO DO LIVRO A GUERRA DAS ESPINGARDINHAS
A trama de A guerra das espingardinhas requereu também que o texto da apresentação e da contracapa do livro fossem escritos por um personagem, e para isso fizemos uso de "um primo distante" de Maria Bela com "fumaças de escritor, chamado Enzo Salgatti.
Um amigo do autor, que leu os originais e quis permanecer anônimo, redigiu esses dois textos.
Confira um dos textos referidos:
Como está no post Como escrevi o "Menino-Serelepe" (aqui), o escrever um livro pressupõe muita leitura, pesquisa, treino, escritura e reescritura, e certas obras inspiradoras da história que se quer contar.
No caso deste A guerra das espingardinhas, partimos de um fato verdadeiro: sim, brincávamos de guerra de espingardinhas de milho e disputávamos com outras turmas. Mas, para desenvolver a história, compulsamos muitos livros e autores, que aparecem citados e/ou referidos nas narrativas, como estes:
(Qual foi sua intenção ao escrever Menino-Serelepe?)
Foi um modo de resgatar o mundo em que nasci e no qual fui criado. A maneira que encontrei para registrar e fixar os costumes, a cultura, a fé religiosa e o modo de falar das pessoas com quem convivi. Aliás, cheguei mesmo a incluir no livro o Vocabulário de Aguinhas, com cerca de quinhentos ditos, expressões e palavras populares da região Sul de Minas.
(Antônio Lobo Guimarães – autor do livro Menino-Serelepe - Entrevista ao Boletim Regional da 1ª. Região Fiscal/RFB, 2010)
Nos livros da série HISTÓRIAS DE AGUINHAS que tenho publicado, na qual utilizo o pseudônimo literário de Antônio Lobo Guimarães, sigo a orientação que pus acima: falar das gentes, da parentalha, dos costumes, das brincadeiras e do modo de expressar das pessoas com quem convivi, especialmente meus avós, que tiveram importante papel na minha criação/formação.
E esse também é meio de dar conhecimento aos meus filhos e netos das formas de expressão de seus antepassados.
Assim, o ter resgatado palavras, expressões e ditos antigos, com que recheamos o texto deste A guerra das espingardinhas, faz parte daquela diretriz.
Confira esta pequena amostra:
PALAVRAS E EXPRESSÕES
FRASES FEITAS
A capa do livro ainda não foi concluída, mas há modelos possíveis em estudo.
Os dois primeiros modelos foram montados com base em ilustrações feitas pelo brasileiro Henrique Alvim Corrêa (1876-1910) para o livro A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, edição de 1906.
O terceiro, sobre uma foto de uso livre, disponível na internet.
Como dissemos, toda a história se passa em Lambari, MG, no entorno da Esquina da Tiradentes/Teófilo Otoni: local em que verdadeiramente minhas turminhas de infância costumávamos brincar.
Nas fotos e croquis abaixo, tentamos resgatar imagens daqueles locais, a maioria deles já muito alterados. Mas dá pra se ter uma ideia dos cenários da história e visualizar melhor os lances da trama.
Cenário de A guerra das espingardinhas. Toda a história se desenrola nos locais indicados no círculo. Lambari, MG. Vista aérea. Final anos 1950
Planta baixa do cenário da batalha decisiva de A guerra das espingardinhas
Cenário de A guerra das espingardinhas. Outro ângulo de visão. Lambari, MG. Vista aérea. Anos 1960
Cenário de A guerra das espingardinhas, com indicação mais detalhada dos locais em que a história se passa. Lambari, MG. Vista aérea. Anos 1960
A Farmácia Santo Antônio, a Casa da Dona Sara e seus porões e o observatório em cima dos depósitos da farmácia, de onde se podia observar o movimento do Parque das Águas e da Rua Tiradentes
Planta baixa da Farmácia Santo Antônio, da casa da Dona Sara e do observatório da Turma da Tiradentes
Planta baixa do cenário e lances da batalha final de A guerra das espingardinhas
Cenário de A guerra das espingardinhas. Lambari, MG. Vista frontal do Parque das Águas. 1960
Cenário de A guerra das espingardinhas. Rota do esconderijo da Cupincharia dos Boys. Lambari, MG. Vista aérea. 1960
Cenário. Fundos do Arranca-rabo, local em que passa a a batalha que decidiu a famigerada Guerra das espingardinhas. Lambari, MG. Antiga Rua Teófilo Otoni. Anos 1960
Caldeira na (antiga) Rua Teófilo Otoni. Passagem secreta para esconderijo da Turma da Tiradentes. (Na foto, D. Neli, mãe do personagem Serelepe). Lambari, MG. Anos 1960
Início dos anos 1970.Cenário de A guerra das espingardinhas. Arranca-rabo e fundos da antiga madeireira, local aqui já bastante modificado em face das obras preparatórias para a construção da piscina, hoje existente no local.
Início dos anos 1970. Cenário de A guerra das espingardinhas. Arranca-rabo em obras e, ao fundo o Hotel Velho. Locais já bastante modificados com o início da construção da piscina de água mineral. O Hotel Velho seria posteriormente demolido.
Início dos anos 1970. Cenário de A guerra das espingardinhas. Arranca-rabo. Obras.
Cenário de A guerra das espingardinhas. Vista aérea. Ano 2012 (GoogleMaps)
Cenário de A guerra das espingardinhas. Esquina da Rua Tiradentes com (antiga) Teófilo Otoni.Ano 2012 (GoogleMaps)
Cenário de A guerra das espingardinhas. Esquina da (antiga) Rua Teófilo Otoni com Tiradentes. Ano 2012 (GoogleMaps)
Cenário de A guerra das espingardinhas. Vista da (Antiga) Rua Teófilo Otoni. Ano 2012 (GoogleMaps)
Cenário de A guerra das espingardinhas. Vista da antiga Rua Teófilo Otoni (fundos do antigo Arranca-rabo; atualmente é a piscina do Parque das Águas). Ano 2012 (GoogleMaps)
O livro A GERRA DAS ESPINGARDINHAS encontra-se à venda na editora UICLAP, neste link:
https://loja.uiclap.com/titulo/ua13587
O livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem trata-se de uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS.