Américo Werneck poderia ter sido um pensador, um lutador, um patriota, um educador, um forte, como quiserem, mas nunca um romancista.
THEMÍSTOCLES LINHARES (2)
Para a compreensão deste post e dos seguintes — que vão tratar dos livros técnicos e das obras espíritas de Werneck — é interessante examinar antes o contexto cultural em que o escritor se situou (aqui).
Outro fator é atentar para a data de publicação de seus romances:
É de recordar-se, também, que, em nota acrescentada posteriormente ao livro Judith (1) — que é de 1912—, Werneck confessa ter publicado cedo demais o livro Graciema e Juracy (a 1a. edição é, provavelmente, de data anterior a 1882; a 2a., complementamente remodelada, de 1898). Ainda em Judith, Werneck informa que desde muito jovem trabalhara em seus futuros romances e livros (Graciema, Morena, Arte de Educar os Filhos) e aconselha aos escritores a não se deixarem vencer pela impaciência da estreia (1).
Saliente-se que a produção romanesca de Werneck é quase toda da sua primeira fase de escritor — parte dela produzida pelo jovem imaturo, ao qual faltava ainda "a escola da experiência, a lição do sofrimento", como ele próprio expressou. À exceção de Marido e Amante (1917), posteriormente aos anos 1900, sua pena não produzirá nenhum outro romance.
Um ponto importante para se creditar ao romancista Américo Werneck é a construção de grandes personagens femininas.
De fato, Bárbara Heliodora (personagem de seu romance A heroína da Inconfidência) [2], Graciema, Juracy (essa inspirada em Judith Lemos, sua primeira mulher), e, ainda, Hermengarda (de Arte de Educar os Filhos) [3] são admiráveis mulheres, figuras romanescas fortes, sensíveis, inteligentes, criadas numa época em que a cultura, geralmente, reservava à mulher um papel subalterno e submisso.
Os críticos literários que analisaram romances de Américo Werneck dão-no como um bom escritor, pensador, articulista, publicista. E veem também algum talento no romancista, mas ainda longe dos autores de primeira plana.
O professor, ensaísta e membro da ABL, Medeiros e Albuquerque, analisando o romance Marido e Amante (4), disse que os trabalhos literários eram a parte acessória da atividade intelectual de Werneck, e, em razão disso, havia no escritor
(...) muito mais habilidade para a exposição de ideias abstratas do que para a exposição literária, a descrição, a análise psicológica.
Themístocles Linhares, em remate aos comentários que escreveu sobre os livros Marido e Amante e Graciema, afirma
Américo Werneck poderia ter sido um pensador, um lutador, um patriota, um educador, um forte, como quiserem, mas nunca um romancista. (5)
Já o redator da coluna Bibliotheca da Gazetinha [jornal GAZETINHA, Rio de Janeiro, edição de 11 de junho de 1882], ao comentar o romance Graciema e Juracy, cuja 2a. edição foi completamente remodelada, anotou:
O livro do sr. Werneck, apesar de alguns graves defeitos (...), revela qualidades apreciáveis e grande tendência para o romance.
E João Ribeiro, no exame crítico de Graciema (6), viu mais qualidades do que defeitos no livro e no autor. Entre os defeitos, por exemplo, citou a complicação do entrecho do livro e o número de episódios e incidentes da narrativa. Mas apontou que o autor conseguiu fazer
A observação exata e escrupulosa dos cenários, como das pessoas e da vida do interior nas fazendas, aliás com certos tons de róseo otimismo.
E acabou por aconselhar
(...) a leitura do livro a todas as pessoas delicadas e de sentimentos puros, que se comprazem em histórias edificantes.
E finalizou:
É, pois, um formoso romance nacional, pelo estilo e pelo tema, pelo caráter e pela forma.
Enfim, para Agripino Grieco, Werneck figurava entre os romancistas que divertem e não pervetem, fugindo ao abuso do efeito literário das lágrimas, não caindo também no efeito contrário: à gargalhada excessiva que escancara as mandíbulas e rebenta os suspensórios burgueses. (7)
Reconstrução de costumes e tradições do passado
No prefácio da 1a. edição de Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre, ao listar os livros que consultou para elaborar sua grande obra, põe Américo Werneck [Graciema, edição de 1920] entre os autores
que fixaram com maior ou menor realismo aspectos característicos da vida doméstica e sexual do brasileiro; das relações entre senhores e escravos; do trabalho nos engenhos; das festas e procissões. (8).
E esse parece ter sido o talento especial do romancista, qual seja "a capacidade de reconstrução dos costumes e tradições do nosso passado" (9), visto ter sido ele um "exímio pintor de quadros, cenas e tipos da roça" (10).
De fato, João Ribeiro (6) já assinalara, quanto ao romance Graciema:
Não é menos exato o realismo dos antigos costumes, a sorte mísera dos negros fugidos nos quilombos, suas feitiçarias e seus crimes.
E outro autor que vai beber nas páginas de Graciema, para elaborar notas de apoio à sua criação literária, é Guimarães Rosa. Com efeito, entre os documentos que compõe o arquivo literário de Rosa, no tópico cujo tema são os "gatos", há uma transcrição de um diálogo entre Graciema e uma criança, nos informa Frederico Camargo. (*)
(*) CAMARGO, Frederico Antonio Camillo. Da montanha de minério ao metal raro: os estudos para a obra de João Guimarães Rosa. [Dissertação - Pós-graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada] - Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2013, p. 52. Disponível em - https://www.google.com.br/#q=frederico+camargo%2C+da+montanha%2C+guimaraes+rosa - Visitado em março/2014.
Confessadamente um discípulo do maior de nossos indianistas (aqui), o entrecho de Graciema não só "lembra algumas das maiores composições de José Alencar", como a linguagem adotada por Werneck procura se aproximar daquela "língua brasileira", preconizada pelo fundador da literatura nacional.
Com efeito, nos lembra João Ribeiro (6), que Werneck anotou o seguinte, nas páginas preliminares de Graciema:
Nascido e criado no ambiente americano, onde a língua materna sofreu modificações e acréscimos notáveis, não posso, sem violência à natureza e sem renegar a minha origem, falar, sentir, pronunciar, escrever, ou euroupar o pensamento, segundo os usos e moldes do moderno ou antigo português europeu.
E da mesma forma como Alencar procedeu no romance O Guarani, Werneck, nas últimas páginas do segundo volume de Graciema, formou um pequeno e interessante vocabulário de brasileirismos que ocorrem no livro. (6)
Já em Marido e Amante, de 1917, fez ele a seguinte anotação quanto aos galicismos:
Aceitando a nacionalização de certos vocábulos estrangeiros, como: chalet, toilette, silhouette, bonnet, champanhe, bond, creche e outros, que o uso diário introduziu na lingua, escrevo-os de acordo com a nossa pronúncia e ortografia: chalé, toalete, silhueta, boné, champanhe, bonde, creche, etc. (11)
Sinopses de livros de Américo Werneck
Para ver uma pequena sinopse dos seguintes livros de Américo Werneck:
clique (aqui)
O objetivo deste post é divulgar, por meio de pequenas notas e indicações bibliográficas, alguns subsídios para conhecimento dos principais fatos da vida de Américo Werneck.
Esses subsídios foram postados aqui, também, para uma ligeira visão do contexto cultural e político em que ele nasceu, se formou e viveu, com o que pretendemos facilitar a exposição e a compreensão desta série As obras literárias de Américo Werneck, e bem assim conhecer fatores influentes sobre a pena do escritor.
Américo Werneck nasceu no Distrito de Bemposta, em Paraíba do Sul (RJ) [atualmente Bemposta pertence ao município de Três Rios (RJ)], no dia 13 de março de 1855, filho de Inácio dos Santos Werneck e de Luísa Amélia de Oliveira, barões de Bemposta. Faleceu no Rio de Janeiro em 17 de setembro de 1927. Foi casado com Judith de Lemos Werneck e posteriormente com Regina de Andrade Werneck.
Homem de coração generoso, do que há pelo menos dois registros:
Estudos preparatórios: Colégio Kopke, de Petrópolis, no Colégio Pedro II, e no externato Aquino, ambos no Rio de Janeiro. Matriculou-se na então Escola Central, no ano de 1872, e formou-se Engenheiro Civil, na turma de 1876, da então Escola Politécnica do Rio de Janeiro, nome que aquela recebeu a partir de 1874.
Na definição de José Veríssimo, publicista é aquele que escreve por amor e interesse da causa pública e cuja íntima inspiração é política. (3)
Podemos separar a atividade jornalística de Werneck de sua passagem pelo Sul de Minas (anos 1880/90), que teve como bandeiras principais o abolicionismo e a república, daquela praticada em idade mais madura, em jornais da Capital Federal, Belo Horizonte, Petrópolis.
De artigos publicados nessa última fase, em que passou a exercer cargos no Legislativo e no Executivo, é que se originaram alguns dos opúsculos e livros sobre finanças, economia, sociologia, direito e política que editou.
Abandonou a vida pública em 1912, quando deixou a Prefeitura de Águas Virtuosas. Mas prosseguiu com sua vida literária, escrevendo livros e publicando artigos.
Dos livros ligados à sua atividade de publicista, podemos citar:
“O Brasil seu Presente e seu Futuro”; “Erros e Vícios da Organização Republicana”; “Problemas Fluminenses”; “Estudos Mineiros”; “Ecos da Multidão”; “Revisão Constitucional”; “Indústrias de Transportes”; “Reforma do Sistema Tributário”; “Reflexões sobre a Crise Financeira”; “Tarifas Aduaneiras”; “Política e Finanças”; “Interdito Possessório”; “Juízo Arbitral”; “Liberdade de Testar”; “Do Divórcio”.
Veja também edições da GAZETA SUL MINEIRA, anos 1887, 1890, 1991, editada em São Gonçalo do Sapucaí, por Américo Werneck (aqui)
9 - Aspectos de sua vida em Águas Virtuosas de Lambary
Themístocles Linhares (4), ao comentar os romances de Werneck, registra em nota de rodapé:
Américo Werneck, pouco se sabe de sua biografia. Como tivesse vivido sempre no Rio de Janeiro, supõe-se que tenha ali nascido e morrido.
O fato é que havia e ainda há poucos registros biográficos de Américo Werneck. De qualquer modo, seguem abaixo indicações dos que conseguimos coletar.
Fonte: MARTINS, Armindo. Lambari, cidade das Águas Virtuosas, 1a. edição, 1949, p. 19.
Fonte: MILEO, José N. Ruas de Lambari. Guaratinguetá, SP : Graficávila, 1a. edição, 1970, págs. 35/36.
Fonte: LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil. São Paulo : Editora Alfa Ômega, 1978, págs. 88/89
Fonte: Externato Aquino (1864) - Ex-alunos - Subsídios biográficos-genealógicos. Pág. 6. Disponível em: http://www.cbg.org.br/novo/wp-content/uploads/2012/07/externato-aquino-II.pdf. Visitado em 11/03/2014.
Fonte: Jornal A Noite, Rio de Janeiro, 17/09/1927
Sobrado construído no final Século XVIII, em São Gonçalo do Sapucaí (MG) [atualmente demolido], que pertenceu à Baronesa de Rio Verde [Olímpia Carolina Villela de Lemos], tia de Judith de Lemos, que veio a ser a primeira mulher de Werneck. No romance Judith, Werneck descreveu cenas ocorridas nos anos 1870, no interior desse sobrado.
Página antológica de Werneck
Elaboradas com critério e bom gosto na escolha, as velhas antologias escolares, notadamente a de Eugênio Werneck e Carlos de Laet e Fausto Barreto, eram adotadas em todo o Brasil. (1)
A Antologia Brasileira, de Eugênio Werneck, cuja primeira edição foi publicada em 1900, como parte da comemoração pelo quarto centenário do Brasil, foi um dos livros didáticos para ensino de literatura brasileira mais populares de sua época, tendo atingido a 17a. edição em 1935 e a 22a. em 1942. Composta de duas partes, a primeira dedicada à prosa e a segunda à poesia, o livro pretendia introduzir à juventude brasileira trechos notáveis das obras dos mais importantes autores brasileiros, dos tempos coloniais ao fim do século XIX, sobre os mais diversos assuntos e sob as mais diversas formas literárias. Cada excerto vem precedido de uma nota biobibliográfica sobre o autor. (2)
Dessa obra de Eugênio Werneck consta o texto intitulado A derribada, correspondente ao capítulo XLII de Graciema. A propósito disso, diz Nélson de Werneck Sodré, na pág. 7 do primeiro volume de suas memórias de escritor (3) , que
(...) aqui interessa justamente aquela atividade de Américo Werneck que ficou esquecida: a de escritor. Esse esquecimento é injusto, sob alguns aspectos: na obra de Américo Werneck, variada e relativamente extensa, há coisas que mereciam ser guardadas. Uma só de suas páginas, entretanto, foi salva do esquecimento: na antologia da língua portuguesa organizada pelo Prof. Eugênio Werneck, e que rivaliza, ainda hoje, com aquela organizada por Carlos de Laet e Fausto Barreto, na preferência dos mestres do ensino médio — figura trecho do romance Graciema, de Américo Werneck, descrevendo a derrubada. É, realmente, aquilo que se convencionou conhecer como página antológica (...)
Eis o trecho antológico, extraído da obra de Eugênio Werneck (4):
Referências:
Ilustração de abertura: estampa de Juracy, personagem do livro Graciema, extraída do volume 2 desse romance
Demais posts da série:
O Dr. Américo Werneck é um dos nosso mais operosos polygraphos. Si já escreveu trabalhos austeros sobre finanças, sobre agricultura, sobre educação, já publicou também novellas e romances. De todos os seus livros, o mais célebre é A arte de educar os filhos.
MEDEIROS E ALBUQUERQUE, escritor, professor e político.
Os lambarienses reconhecem em Américo Werneck o
artífice de Lambari, emérito engenheiro que iniciou as obras de remodelação da antiga Águas Virtuosas,
como o descreveu o memorialista Armindo Martins. (1)
Neste post vamos examinar uma sua face pouco divulgada — a de escritor. Vamos lá.
Américo Werneck, engenheiro de formação, foi fazendeiro, político e empresário. E foi também jornalista e escritor; deixou romances, alguns inspirados na vida pessoal, e opúsculos sobre agricultura, política e comércio. E, ainda, publicou livros sobre questões jurídicas, sociais, constitucionais, tributárias, financeiras, educacionais e históricas. Traduziu, também, Hamlet, de Shakespeare. [2]
Republicano e abolicionista, ocupou importantes cargos públicos (deputado, secretário de Estado, prefeito).
Nesta série sobre os livros de Werneck, vamos comentar alguns aspectos de sua vida de publicista e de seus principais livros, da seguinte forma:
No livro Um punhado de verdades (Rio de Janeiro : A. Gomes Pereira & C., Editores, 1923), consta a seguinte relação das obras literárias de Américo Werneck:
No site Literatura Digital, mantido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), aparece esta lista de obras de Américo Werneck:
As obras A conjuração mineira e Romance brasileiro foram publicadas em folhetins. A primeira, na Gazeta Sul-Mineira, de São Gonçalo do Sapucaí (MG), no período de 11/10/1885 a 14/02/1886, sem que tivesse sido concluída. A segunda, no Jornal do Comércio, no Rio de Janeiro, no ano de 1898. Esse folhetim, provavelmente, trata-se do embrião do romance Graciema, que, depois de refundido, foi lançado em livro em 1898 (1a. edição).
E também o romance Morena, antes de aparecer em livro, foi publicado na forma de folhetim, nas páginas da Gazeta Sul-Mineira, no período de 15/08/1886 a 17/04/1886. [3]
NOTAS
Publicou artigos na Gazeta Sul Mineira, fundada pelo Partido Republicano em São Gonçalo do Sapucaí (MG), e também artigos na Gazeta de Petrópolis, e bem assim colaborou em importantes jornais como Gazeta de Notícias, O Paiz, Jornal do Commércio e A Época. (Fonte: Dados biográficos de Américo Werneck. CPDOC/FGV - Luciana Pinheiro).
Graciema e Juracy trata-se de uma primitiva edição do livro Graciema, "em quatro volumes detestáveis, de estylo indeciso e incorrecto", confessaria Werneck mais tarde, em nota ao livro Judith. (6)
Werneck informa ter escrito e publicado Graciema e Juracy ainda muito jovem, dominado "pela impaciência da estreia". Assim, refundiu completamente o livro e dele aproveitou apenas "a metade do título e umas 12 páginas" para lançar a primeira edição de Graciema, em 1898. (6)
Em 1920, aparece uma outra edição de Graciema, em 2 volumes, pela Editora Typographia Leuzinger, do Rio de Janeiro.
José de Alencar - o seu mestre literário
Eugênio Werneck assim se refere ao escritor Américo Werneck:
Fonte: Antologia Brasileira (7)
Foi no livro Judith (8) que Werneck apontou José de Alencar como sendo seu mestre literário. Eis o texto:
E essa influência vai bem transparecer no romance Graciema e Juracy. De fato, no jornal GAZETINHA, edição de 11 de junho de 1882, diz o o redator da coluna Bibliotheca da Gazetinha, num comentário ao citado romance:
Onde estão os livros de Werneck?
O nome de Américo Werneck, como escritor, desapareceu, e suas obras, sem reedições, caíram no esquecimento.
NELSON WERNECK SODRÉ (9)
Sabe-se que parte de seus livros e textos Werneck escreveu no recolhimento de sua propriedade em Lambari — a Fazenda dos Pinheiros, onde viveu com sua família, a espaços de tempo, no final dos anos 1800, início dos 1900. A sede dessa fazenda — o Casarão, como é chamada — ainda existe, mas não guarda nenhum livro ou outra recordação dessa atividade do escritor. (10)
No Museu Américo Werneck, em Lambari, podem ser encontrados alguns livros, pois me lembro da dedicação do Nascime Bacha à cata das obras de Werneck. Assim, com certeza, pelos menos os seguintes títulos encontram-se no acervo do museu: Graciema, Judith, Lucrécia, Um Punhado de Verdades e Marido e Amante.
No Arquivo Público Mineiro, podem ser encontradas estas obras de Werneck:
Seus livros hoje são raridades, mas alguns deles podem ser encontrados em sebos brasileiros. Na Estante Virtual — um sebo eletrônico —, os livros abaixo estavam à venda na data deste post:
No Google Books, encontram-se referências a estes outros livros:
Referências
Ilustração: Recorte capa vol. 5 - OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA (Questão Minas x Werneck)
Sumário
Já comentamos no GUIMAGUINHAS sobre a Questão Minas X Werneck, expressão por que ficou conhecido o processo sobre pagamento de perdas e danos relativo a rescisão do contrato de arrendamento da Estância Hidromineral de Águas Virtuosas (aqui).
E retornamos hoje ao tema, para acrescentar alguns novos aspectos. Vamos lá.
Um dos mais célebres processos do STF
Como se sabe, a Questão Minas X Werneck foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos anos 1910, e se tornou um dos mais célebres processos daquela Corte no início do Século XX, em razão dos grandes juristas que participaram da discussão, especialmente Rui Barbosa.
De fato, Alberto Venancio Filho, advogado, jurista, professor, historiador, em palestra proferida no STF no dia 28 de outubro de 2008, na qual comentou as atividades do Supremo nos seus 30 primeiros anos de existência (entre os anos 1890/1920, na República Velha), assim se referiu a Rui Barbosa:
A história do Supremo Tribunal Federal está indissoluvelmente ligada à atuação de Rui Barbosa desde o habeas corpus de 1892 até as questões da década de 1920.
Em sua fala, Venancio Filho destacou as causas mais expressivas examinadas pelo Tribunal naquele período, e entre elas pôs a Questão Minas X Werneck:
Questão de relevância teve o Supremo ao decidir matéria de arbitramento. Américo Werneck contratou, com o Estado de Minas Gerais, a exploração por noventa anos da Estância Hidromineral de Lambari. Logo no início do contrato, surgiram divergências, e Werneck ingressou com ação por inadimplemento culposo. No curso da ação, as partes decidiram submeter a questão à arbitragem (...) O laudo concluiu que Werneck tinha direito à indenização. Inconformado com a decisão, o Estado de Minas contratou Rui Barbosa para apresentar a apelação ao Supremo.
Curiosamente, em questão anterior em que representara o Estado de Minas em questão contra o Espírito Santo, defendia ele que não era possível apelação no caso de arbitragem, mas sim pedido de anulação. O fato foi explorado pelo advogado de Werneck, Rodrigo Otávio, e Rui teve de reconhecer a incoerência. No pedido estava o fato de que os árbitros excederam os seus poderes. Mas o Supremo, restringindo o exame da matéria, denegou o pedido, Relator Pedro Lessa, julgando que não houvera excesso dos árbitros. (1)
Os juristas que participaram do processo
Os principais juristas que participaram Questão Minas X Werneck foram: Rui Barbosa, advogado de Minas Gerais; Rodrigo Octávio, advogado de Werneck; Edmundo Lins, árbitro indicado pelo Governo de Minas; J. X. de Carvalho Mendonça, árbitro de Werneck; e Heitor de Souza, subprocurador-geral do Estado de MG.
Sobre Rui Barbosa, o mais famoso deles, podem-se examinar os volumes IV e IV de suas Obras Completas (4).
Quanto a Rodrigo Octávio, advogado, membro da Academia Brasileira de Letras e depois Ministro do STF, vejam-se as informações que resumimos (aqui).
Já Edmundo Lins, advogado, escritor e Ministro do STF (1917-1931), além da participação nesse processo de Werneck, está ligado a Lambari por outras questões. De fato, seu nome foi dado a uma de nossas praças — a Praça Dr. Edmundo Lins (Veja aqui):
numa homenagem ao grande cultor do Direito e da Justiça, e externa, também, apreço e estima da cidade ao seu ilustre filho, Ministro Dr. Ivan Lins, cidadão honorário de Lambari e grande amigo de seu povo e de suas águas. (2)
Registre-se, também, a participação de Heitor de Souza, subprocurador -geral do Estado de Minas Gerais nessa questão, posteriormente Ministro do STF, e autor do livro JUIZO ARBITRAL, de 1915, importante obra para conhecimento da Questão Minas x Werneck.
Dedicatória de Heitor de Souza a Edmundo Lins
E, por fim, J. X. de Carvalho Mendonça, advogado de grande saber jurídico, jurisconsulto, professor e autor de dezenas de obras jurídicas e de uma tratado clássico sobre Direito Comercial. Curiosamente, José Xavier de Carvalho Mendonça está também ligado a Lambari. Sua filha Maria José casou-se com Dr. Gabriel Carvalho, que morou em Lambari e foi proprietário rural no município. O filho do casal Maria José e Gabriel — Henrique Carvalho —, há muitos anos instalado em Lambari como fazendeiro e cafeicultor, vem a ser neto de J. X. de Carvalho Mendonça.
A indenização recebida por Werneck
Como se recorda, Werneck arrendou a Estância de Águas Virtuosas em 16 de maio de 1912, pelo prazo de 90 anos, e pediu a rescisão do arrendamento em 29 julho de 1913, em razão de dificuldades criadas por agentes do Estado de Minas na execução do contrato. A questão se arrastou por toda a década de 1910 até início da década de 1920, quando, em 1921, no governo de Artur Bernardes (1918-1922), a Assembleia Legislativa de Minas Gerais reconheceu a dívida e o pagamento foi efetuado.
O escritor e historiador Nelson Werneck Sodré, sobrinho-neto de Américo Werneck (sua avó materna era irmã de Werneck), informa o seguinte sobre essa indenização:
Werneck pleiteou e alcançou do Estado de Minas Gerais indenização vultosa para a época. (...) O dinheiro da indenização foi colocado, depois, na indústria Alba, pioneira, entre nós, na produção de material esmaltado. (3)
Propaganda de produtos das Indústrias Alba, divulgada em jornal do Rio de Janeiro, nos anos 1920
Cabeçalho de papel de carta das Indústrias Alba (anos 1920)
1 - VENÂNCIO FILHO, Alberto. Juízes e Tribunais – Perspectivas da História da Justiça no Brasil – O STF na República Velha. [Palestra]. Disponível em: http://www.direitopublico.idp.edu.br/index.php/direitopublico/article/viewFile/1115/1133.
2 - MILEO, José Nicolau. Ruas de Lambari. Guaratinguetá, SP : Graficávila, 1a. edição, 1970, p. 39.
3 - SODRÉ, Nelson Werneck. Memórias de um escritor [Vol. 1 - Formação]. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1970, págs. 6/7
4 - BARBOSA, Rui. Questão Minas X Werneck. Obras Completas de Rui Barbosa. Volume XLV 1918 – Tomo IV e V. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980.
Na Biblioteca Digital disponível no site do Supremo Tribunal Federal (STF), podem ser examinados as obras de Rui Barbosa que tratam da Questão Minas X Werneck.
- Vol. 4 -
https://bibliotecadigital.stf.jus.br/xmlui/handle/123456789/147
- Vol. 5 -
https://bibliotecadigital.stf.jus.br/xmlui/handle/123456789/145